Informativo
DAMARES ALVES, O BODE EXPIATÓRIO DE BOLSONARO
A
infância violada fez nascer uma mulher adulta incapaz de acreditar que mulheres
e homens podem sim viver em relações de igualdade. Assim, a ministra tornou-se
um instrumento nas mãos de um presidente misógino.
Por Olívia Santana*
A
ideologia machista e misógina, que o movimento feminista e o público mais
consciente vêm combatendo ao longo da história, foi elevada ao patamar de
bandeira na gestão do presidente Jair Bolsonaro. Seu ministério tem apenas três
mulheres. Uma delas, a ministra Damares Alves, tornou-se o bode expiatório do
Planalto, a mais achincalhada entre todos da equipe, por suas declarações
bizarras no campo dos costumes.
Embora
o Ministério da Educação esteja nas mãos de um ministro ultraconservador, que
pode impor à sociedade brasileira derrotas culturais mais estratégicas, é
Damares, a ministra de uma pasta economicamente esquálida, que é escalada para
causar assombro na parcela mais crítica e avançada da população, com suas
declarações que reafirmam o ideário de inferiorização das mulheres em relação
aos homens e outras sandices. A mesma concepção que justifica as violências de
gênero, desigualdades salariais, violências físicas e psicológicas, estupros e
feminicídios.
Não
consigo deixar de pensar que Damares é uma vítima, sequelada, do patriarcalismo
mais arcaico. Segundo suas próprias declarações ao jornal Folha de são Paulo,
no dia 18 de dezembro, a ministra foi estuprada, várias vezes, antes de
completar dez anos, por dois pastores da igreja que sua família frequentava.
Uma história dura, que certamente deixou traumas irreversíveis, ainda que ela
tenha conseguido juntar seus cacos e buscar sobreviver. Na entrevista que deu,
a ministra afirma que a sua família falhou em não ter percebido os “sinais” que
seu comportamento exarava, que a Igreja também falhou, pois, quando soube,
abafou o caso, em vez de punir o algoz, e que a escola também falhou, por ter
chegado em sua vida tardiamente e tê-la tratado apenas como uma garotinha
tímida. Na verdade, a família falhou duplamente, pois, mesmo quando soube da
violência sexual sofrida pela menina, nem sequer dialogou com ela sobre a
terrível experiência. Foi ainda conivente com a opção de silenciar, atitude que
só beneficiou os estupradores. Pelo menos um dos seus violadores continuou
violentando outras meninas, já que outro caso acabou indo parar nos jornais,
quando Damares já tinha 24 anos, conforme relato da ministra. Aliás, só neste
momento é que ela descobriu que seus pais sabiam do que ela tinha sofrido.
Naquela época, não se falava de sexo com as meninas. Pare o mundo que eu quero
descer!
Merece
muito da nossa atenção a frase dita por Damares, a certa altura da entrevista: “Ele
disse que eu era ‘enxerida’, que a culpa era minha, que meu pai morreria se eu
contasse”. A culpabilização da vítima é um traço comum em casos de abuso e
violências. A sensação que tenho é que ela internalizou, de alguma forma, a
culpa pela absurda situação. Em vez de ser acolhida pelo pai e pela mãe, de
passar por um necessário apoio psicológico, de ver a sua igreja tomar uma
atitude de expulsar os homens que a violaram e denunciá-los pra que pagassem
pelos crimes que cometeram, a menina teve que conviver com o silêncio sórdido,
castrador da possibilidade de justiça, que veio daquelas pessoas e instituições
que eram o seu lócus de vivência, a igreja e a família. Mesmo quando o
jornalista pergunta a Damares sua opinião sobre a educação sexual na escola,
ela diz que é a favor, mas sempre condicionando à autorização da família,
embora ela própria seja exemplo de como muitas famílias podem agir num sistema
de corroboração com a violência sexual contra crianças e adolescentes.
Aproximadamente 65% de crimes desta natureza são praticados por familiares das
vítimas.
Entre
a rebeldia e a adaptação, a segunda prevaleceu. Como se desenvolvesse uma
espécie de Síndrome de Estocolmo, Damares sucumbiu ao sistema que a vitimou.
Agarrou-se aos mesmos referenciais religiosos, demonstrando distorção na sua
forma de lidar com a própria realidade, haja vista o episódio mágico da
goiabeira. Nossa ministra foi forjada, com requinte de crueldade, para ser uma
mulher machista.
Quando
ela diz com orgulho “o Estado é laico, mas esta ministra é terrivelmente
cristã”, está a nos dizer que vai impor suas convicções fundamentalistas ao
lidar com as políticas públicas. Diferente de pessoas cristãs de mente arejada,
mantenedoras do senso crítico e capazes de estabelecer alguma separação entre
as coisas da República e suas crenças religiosas, a ministra tornou-se
defensora de um cristianismo obscuro, rigidamente maniqueísta, que opera contra
importantes avanços civilizatórios, principalmente em relação aos direitos
humanos das mulheres e de LGBTQs. Ao contrário de se aliar às mulheres que
lutam por emancipação e pelo fim do machismo, Damares associa-se a um governo
de homens comprometidos com a manutenção desta amarra social.
A
infância violada fez nascer uma mulher adulta incapaz de acreditar que mulheres
e homens podem sim viver em relações de igualdade. Assim, a ministra tornou-se
um instrumento nas mãos de um presidente misógino, que a usa para ser a
interlocutora das suas ideias extemporâneas sobre as mulheres e as
desigualdades de gênero. E o mais grave, com o papel de domesticar outras
mulheres a aceitar sua suposta sina de ser inferior. Isto fica claro quando a
mesma defende homens de azul, mulheres de rosa – muito mais do que um jogo de
cores – e, principalmente, a tal “bolsa estupro”. Mais convincente do que um
homem para dizer a uma mulher estuprada que ela deve parir o fruto de quem a
estuprou, é a voz de outra mulher que tenha passado por igual sofrimento. Não,
senhoras e senhores, não é um episódio de Handmaid´s Tale. É o Brasil real a
nos dizer que fora da luta não haverá salvação.
*Olívia Santana é
educadora e deputada estadual eleita do PCdoB/BA. | Foto: Agência Brasil
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