Informativo
COMO BOLSONARO MILITARIZOU O GOVERNO FEDERAL
Desde a posse de Jair Bolsonaro na
Presidência da República, o número de militares em funções de comando nos
ministérios praticamente dobrou. Em janeiro de 2019, no início do governo,
havia 188 egressos das Forças Armadas em cargos comissionados nas maiores
faixas de remuneração do governo federal, em postos de coordenação, diretoria,
secretaria ou de ministro. Já em setembro de 2020, a presença militar nesses
postos saltou para 342 representantes.
Além do Ministério da Defesa – que geralmente
abriga membros de Exército, Marinha e Aeronáutica –, pastas como Saúde e Meio
Ambiente registram avanços significativos. Mas a tendência é nítida no conjunto
da máquina federal. Dois movimentos feitos por Bolsonaro nos últimos dias vão
aprofundar a participação: o general Joaquim Silva e Luna foi indicado para a
presidência da Petrobras, enquanto o almirante Flávio Rocha deve ser o novo
chefe da Secretaria Especial de Comunicação (Secom).
Para especialistas, o salto ignora a
necessidade de experiência prévia em áreas sensíveis, como o combate à pandemia
da Covid-19 e o controle do desmatamento. Além disso, a militarização do
governo federal expõe a dificuldade de Bolsonaro em articular uma base.
Ao longo das gestões de Dilma Rousseff e
Michel Temer, o percentual de ocupação desses cargos por membros das Forças
Armadas não passou de 2,5%. No governo Bolsonaro, em setembro, havia presença
militar em 6,5% dos postos com remuneração bruta entre R$ 6 mil e R$ 16,9 mil.
Segundo o Tribunal de Contas da União (TCU), há cerca de 6.100 militares em
funções civis no governo federal. Em 2017, eram 3 mil.
Para o cientista político Maurício Santoro,
da Uerj, a ampliação do espaço de militares, inicialmente ligada à tentativa de
criar uma imagem “técnica” do governo, passou a obedecer uma lógica de crises.
“Os militares passaram a assumir as tarefas ideologicamente controversas.
Assumiram a Saúde porque o presidente não encontrava médicos dispostos a
implementar uma visão negacionista. Entraram no Ibama, onde Bolsonaro tinha
problemas com sua política ambiental. Também é o que ocorre, em parte, na
Petrobras”, lembra Santoro.
A mudança na petroleira, após insatisfação de
Bolsonaro com o aumento do preço dos combustíveis, é citada pelo cientista
político Christian Lynch como exemplo de uso dos militares como
“interventores”. A seu ver, “Bolsonaro tenta dar uma impressão ordeira para seu
eleitorado – mas o que importa mesmo a ele é que cumpram suas ordens em
assuntos que podem afetar sua reeleição. Por isso, se cerca dos militares que
compartilham deste projeto político”.
No conselho de administração da Petrobras, no
qual Silva e Luna também deve ingressar, há dois militares indicados por
Bolsonaro. A participação também ocorre em estatais como Eletrobras e Correios,
nas quais há promessa de privatização — esta última é presidida por um militar.
Após um primeiro ano de governo marcado por
quedas de popularidade e pelo avanço de investigações contra a família de
Bolsonaro, a Presidência da República teve o maior incremento entre todos os
órgãos, com nomeações de 34 militares para postos estratégicos. O principal
deles foi a chefia da Casa Civil, assumida pelo general Braga Netto em
fevereiro de 2020.
Flávio Rocha, nomeado secretário de Assunto
Estratégicos na mesma época, agora é cotado para a Secom. O Ministério do Meio
Ambiente, criticado em meio a recordes de queimadas, teve nomeações de
militares nas superintendências do Ibama no Amazonas, Amapá, Pará, Mato Grosso
do Sul e Rio. A presença cresceu até agosto de 2019 e voltou a subir no início de
2020, na sequência do período mais crítico na Amazônia.
A pasta da Saúde é hoje a terceira área com
mais militares no governo, atrás apenas da Defesa e da Presidência. O ministro
Eduardo Pazuello, general da ativa, nomeou 21 dos 30 militares nesses postos.
Para Gonzalo Vecina, ex-presidente da Anvisa e professor de Saúde Pública da
USP, eles carecem de “domínio total”da área de atuação. “Há também uma lógica
de comando em que falta espaço para o diálogo, sempre essencial na Saúde”,
afirma.
Entre os militares do time de Pazuello, há
exemplos de descumprimento de medidas recomendadas pela Organização Mundial da
Saúde (OMS) contra a Covid-19. O major da reserva Angelo Martins Denicoli,
nomeado em maio como diretor de Monitoramento e Avaliação do SUS, fez
publicações encorajando o uso da cloroquina, remédio sem comprovação científica
contra o coronavírus. Denicoli tem formação em Educação Física, MBA em Economia
e Gestão e atuou na Comissão de Desportos do Exército.
Pazuello também nomeou três coordenadores
distritais de Saúde Indígena que não informam, em seus currículos, experiência
na área. O trio está subordinado ao secretário especial de Saúde Indígena, o
coronel da reserva Robson Santos da Silva, nomeado por Luiz Henrique Mandetta,
e que se apresentava como consultor em educação a distância.
“Mais importante até do que a formação é a
experiência em gestão na área de Saúde, o que não se vê nesses militares”,
avalia o infectologista Julio Croda, ex-diretor de Vigilância em Saúde. “No
caso da Saúde Indígena, não estão conseguindo aplicar todas as doses de vacina
destinadas às aldeias. Falta compreensão das políticas públicas.”
Já o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão
enxerga “incompatibilidade” na trajetória dos militares. “O departamento de
Monitoramento do SUS acompanha indicadores de saúde muito específicos. Já a
Atenção Especializada atua em transplantes, com hospitais de excelência e
tratamentos como hemodiálise”, diz Temporão. “Os escolhidos foram nomeados para
um campo desconhecido para eles.”
Fonte: Portal Vermelho, com informações do O
Globo
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