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23/02/2021

REFORMA AGRÁRIA PARA ACABAR COM A FOME NO BRASIL

Por Marcos Aurélio Ruy

Uma entrevista com a apresentadora de televisão, Bela Gil ao site Opera Mundi, trouxe o tema da reforma agrária ao noticiário. Mestra em Ciências Gastronômicas e ativista em defesa de uma alimentação saudável e de uma produção agrícola orgânica, Bela afirmou que “muitas vezes a gente esquece de onde vem a nossa comida e que vem da terra. Nesse sentido, a reforma agrária é fundamental para que a gente consiga democratizar a produção e o acesso ao alimento. É uma conexão direta”.

Justamente num momento de um intenso revés à luta pela posse da terra no Brasil, com o presidente Jair Bolsonaro desconsiderando totalmente a agricultura familiar e os assentamentos rurais.

Todas as medidas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento “mostram a verdadeira face do atual governo em favor do agronegócio, do grande produtor e da concentração de terras em poucas mãos”, analisa Vânia Marques Pinto, secretária de Políticas Sociais da Central dos Trabalhadores do Brasil (CTB) e secretária-geral da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras na Agricultura no Estado da Bahia (Fetag-BA).

A questão da terra marca a história do Brasil desde a colonização, quando “o país foi dividido em capitanias hereditárias pela corte portuguesa com a criação de imensos latifúndios, adotando praticamente a monocultura”, sintetiza Adriano Gelsleuchter, secretário de Políticas Agrícola e Agrária da CTB.  Já com a chegada dos colonizadores foi travada uma guerra pela posse da terra com forte resistência dos povos originários. A Confederação dos Tamoio (1554-1567) e a Confederação dos Janduim (1683-1710) comprovam a luta desses povos contra os colonizadores, muito mais fortemente armados.

Por causa disso e pelo crescimento do mercado de escravização dos povos africanos, “adotou-se no Brasil o modo de produção escravista, trazendo para a então colônia um grande contingente de seres humanos para serem escravizados, manteve-se com isso intacto o latifúndio”, assinala Vânia. “As lutas pela terra, se intensificaram, com as trabalhadoras e trabalhadores escravizados lutando por liberdade e pelo fim do escravismo”.

Veio a Abolição, mesmo que tardiamente, em 1888, marcando o fim desse sistema e a chegada da República no ano seguinte. Mas “o fim da escravidão não significou distribuição de terras para quem trabalhava nela”, destaca Vânia. “Os ex-escravos ficaram sem terra, sem indenização pelos anos de exploração escravocrata de sua mão de obra e sem trabalho”.

Então, “a questão da luta pela terra, de poder ter um espaço para produzir e ter como desenvolver a vida com independência, sempre foi uma bandeira forte do movimento sindical de trabalhadoras e trabalhadores rurais”, garante Adriano. Com isso, a concentração de terras se manteve. A posse da terra “tem um significado de poder porque quem tem a terra, tem o capital e os trabalhadores apenas têm a força de trabalho”.

As lutas camponesas contra a exploração brutal do latifúndio marcaram a história do Brasil, como a Revolta dos Mucker (1873-1874), Guerra de Canudos (1896-1897) e Guerra do Contestado (1912-1916). A resistência sempre foi muito forte, inclusive com as Ligas Camponesas, surgidas no anos 1940 e encerradas à força pelo golpe de Estado de 1964.

Em 1963, surge a Confederação Nacional dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares (Contag), que arregimenta mais de 4 mil sindicatos e federações de trabalhadores rurais no país. Chega o Estatuto da Terra, nesse mesmo ano, que na verdade não saiu do papel. Somente em 1966, em plena ditadura foi lançado o Plano Nacional de Reforma Agrária do Brasil, jamais colocado em prática. E em 1970 foi criado o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), atualmente “dominado por ruralistas”, acentua Vânia. Em 1984, é criado o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

De acordo com informações do Incra, os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff promoveram em média 57,5 mil assentamentos por ano em seus governos, mas veio o golpe de Estado de 2016 e o presidente Michel Temer assentou somente 2,8 mil famílias em dois anos. “Pelos números se vê a importância da luta pela posse da terra”, diz Vânia. “Os latifundiários sabem disso muito bem”. A possibilidade de desapropriação de terras improdutivas para fins de reforma agrária se estabeleceu somente com a Constituição de 1988.

Os conflitos no campo, porém, permanecem e no atual governo se intensificam. Nem “os governos Lula e Dilma avançaram quanto nós gostaríamos”, argumenta Adriano. “A expectativa que se tinha é que poderia avançar muito mais nesses governos, mas a quantidade de assentamentos ficou muito abaixo do que era esperado”.

Mas ele reconhece a existência de inúmeras políticas favoráveis aos trabalhadores do campo. “Existiam programas de habitação, de infraestrutura para melhorarmos os assentamentos que já tinham sido conquistados”. O Programa de Aquisição de Alimentos, o Programa Nacional de Alimentação Escolar, um Plano Safra dedicado especificamente à agricultura familiar, entres muitos outros.

De acordo com Adriano, ao tomar o poder, Temer e a mídia promoveram uma campanha contra a política de reforma agrária, “travando o processo de desapropriações e criminalizando o movimento de camponeses pela terra e pela produção de alimentos saudáveis”. Tanto que o Plano Safra 2020/2021 destinou R$ 179,4 bilhões ao agronegócio, entre os R$ 236,3 bilhões anunciados e apenas R$ 33 bilhões para a agricultura familiar.      

Em sua entrevista, Bela lembra que “há menos impostos para agrotóxicos. Sai mais barato produzir grandes monoculturas com veneno do que ter um lote de tamanho médio, produzindo de maneira diversificada, sem veneno” porque “precisa de mais mão de obra, dá mais trabalho. Não é mecanizado, nem barato, porque não tem incentivo fiscal do governo”.

Adriano ressalta que em seu terceiro dia de governo, “Bolsonaro suspendeu todas as ações relativas à reforma agrária. Vem desmobilizando o Incra com objetivo de atender aos interesses dos grileiros e do agronegócio, se contrapondo frontalmente às demandas dos assentados ou dos agricultores que ali vivem”.

Mesmo com as informações do Censo Agro 2017, mostrando a existência de 5.072.152 estabelecimentos agropecuários no Brasil, em uma área total de 350.253.329 hectares e o crescimento da concentração de terras. Os estabelecimentos com 1.000 ha ou mais passaram de 45% em 2006 para 47,5% em 2017 sobre a área total das terras no país, enquanto as propriedades de 100 a 1.000 há caíram de 33,8% em 2006 para 32% em 2017, com diminuição de 4.152 unidades nesse período.

“Quando falamos de reforma agrária e de agricultura familiar, temos que entender que estamos falando de 70% da produção de alimentos no país”, salienta Adriano. “Produção de alimentos saudáveis, com muito menos utilização de agrotóxicos ou alimentos orgânicos ou agroecológicos”, reforça. Isso demonstra que “a reforma agrária deve ser uma política de estratégia nacional, em favor da nossa soberania”, enquanto “o latifúndio só visa a exportação, a monocultura e o lucro, além de empregar muito pouco”.

Inclusive, lembra Adriano, no atual governo, existe a “possibilidade de venda de terras para estrangeiros e isso preocupa muito porque muitas vezes o capital internacional tem mais poder do que aquele agricultor que está ali do lado e não consegue um financiamento adequado para poder comprar um pedacinho de terra ou ampliar um pouquinho a sua propriedade”.

Mesmo na pandemia, explica Adriano, “os pequenos agricultores mostram a sua eficiência em produzir alimentos saudáveis, com utilização adequada do meio ambiente, convivendo com as florestas, com os rios, com a natureza”. Ele explica que o pequeno agricultora é “um grande preservador do meio ambiente”.

Para Bela, a tristeza está na constatação de que “a maioria dos brasileiros não tem o direito de escolher o que comer.” Essa realidade só vai mudar “com a reforma agrária distribuindo terras para quem trabalha nela. Nenhum país pode se desenvolver com justiça social com metade das terras nas mãos de 1% de pessoas que não têm nenhum compromisso com o mercado interno, com a natureza, com a vida”, argumenta Vânia.

Fonte: Portal CTB

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