Informativo
DEBATER RACISMO SEM LEVIANDADE É FUNDAMENTAL PARA A CLASSE TRABALHADORA
Por Marcos Aurélio Ruy
Para
não perder muito tempo com o artigo do antropólogo Antonio Risério, na Folha
de S.Paulo, basta constatar que o jornal paulistano inicia sua
campanha contra as cotas raciais, instituídas em 2012 e que serão revistas
neste ano, como mostra o jornalista João Filho, do Intercept Brasil.
Ele
aponta o editorial escrito pelo jornalão da família Frias após o Supremo
Tribunal Federal (STF) decidir “por unanimidade pela constitucionalidade das
cotas raciais em 2012”. Diz o jornalista que “para os donos do jornal, as cotas
deveriam ser apenas sociais, já que as raciais seriam um ‘erro’”. Óbvio por
mexer com privilégios de setores da sociedade acostumados a não ter que ceder
nada para outras camadas da população.
Inclusive
a Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e a Associação Brasileira de
Pesquisadores(as) Negros(as) (ABPN) lançaram na quinta-feira (20), o manifesto A Quem Serve o ‘Racismo Reverso’?onde
questionam os motivos desse falso debate, em ano de eleições e de revisão das
cotas.
“Em
face do contexto de negacionismo científico e avanço de um projeto político
anti-negro e anti-democrático em nosso país, objeto de desmonte de políticas
públicas de promoção da igualdade racial, bem como de atos explícitos de
violência racial, esta nota pública da ABA (Associação Brasileira de Antropologia),
seus comitês e comissões encabeçados pelo Comitê de Antropólogas/os Negras/os,
e da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisadores(as) Negros(as)) pode ser lida
como resistência ao pacto de mediocridade celebrado entre opositores(as) da
luta antirracista e organizações representativas do que há de mais nocivo e
perpetuador de desigualdades raciais na sociedade brasileira”, alerta o
manifesto (Leia a
íntegra aqui).
Para
Lucimara da Silva Cruz, secretária de Igualdade Racial da Central dos
Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), “a casa grande não engole quando
a senzala ganha espaço na sociedade”.
A
sindicalista reforça a necessidade de atuação do movimento negro junto com os
movimentos sociais progressistas e o movimento sindical para “denunciar essa
tentativa de tolher o verdadeiro debate sobre a luta antirracista, que avança
no Brasil”. Mesmo contra a vontade dos setores mais atrasados da elite
econômica do país.
Ela
lembra do conceito de “democracia racial”, surgido no fim do segundo Império e
sistematizado no livro Casa Grande & Senzala (1933),
do sociólogo Gilberto Freyre (1900-1987). Esse conceito tentou negar a
existência de racismo no Brasil, rechaçado pelo historiador Clóvis Moura
(1925-2003).
Para
Moura, essa foi uma maneira de negar as lutas dos seres humanos escravizados
por quase quatro séculos para dar base à elite brasileira de como justificar a
marginalização das negras e negros no país em toda a sua história e de tratar a
maioria da população como não-gente.
“Com
a montagem do antigo sistema colonial e a expansão das metrópoles
colonizadoras, esse racismo se desenvolveu como arma justificadora da invasão e
do domínio das áreas consideradas ‘bárbaras’, ‘inferiores’, ‘selvagens’ que,
por isso mesmo, seriam beneficiadas com a ocupação de seus territórios e a
destruição de suas populações pelas nações ‘civilizadas’”, acentua Moura.
Já
o pensador Sílvio Almeida, realça a necessidade de valorizar o bom debate sobre
essa questão crucial para reforçar a identidade nacional, inclusive.
“Particularmente, não vou gastar meu tempo e nem minha coluna para lidar com
esse tipo de gangsterismo intelectual”.
Segundo
ele, “há polêmicas sérias sobre racismo, há uma situação geopolítica que
demanda nossa atenção; há uma disputa sobre a identidade nacional que vai se
intensificar com o bicentenário da Independência, os 100 anos da Semana de Arte
Moderna; pandemia, Copa do Mundo e eleições cruciais para o destino do país”
porque “muitos livros básicos desmentem tudo o que estes articulistas têm
escrito, de tal sorte que com eles não se deve gastar energia que possamos
compartilhar, divulgar e comentar textos de gente realmente disposta a pensar”.
Ademais,
“negar a existência de racismo no país trata-se de negar a própria nação
brasileira, a sua formação e a sua história”, destaca Lucimara.
“Não
precisa de muito esforço intelectual para mostrar a existência de racismo por
estas terras”, basta “questionar a abordagem feita pela Polícia Militar nas
ruas das cidades”. Negar isso é, no mínimo, desonestidade intelectual, ou
reacionarismo mesmo.
Contra
a tese furada de “racismo reverso”, ela reforça que “o racismo pressupõe uma
superestrutura” porque “os negros não possuem esse espaço hegemônico em nossa
sociedade, não podemos, desse modo produzir racismo, no máximo pode haver
discriminação entre indivíduos” e, mesmo assim “o indivíduo branco estará em
vantagem por ser parte do arcabouço hegemônico produtor de racismo e desfrutar
dos privilégios que a branquitude lhe proporciona”. Reconhecer esses
privilégios significa o começo para entrar na luta antirracista para valer.
Como
bem define o sociólogo Florestan Fernandes (1920-1995), “a democracia só será
uma realidade quando houver, de fato, igualdade racial no Brasil e o negro não
sofrer nenhuma espécie de discriminação, de preconceito, de estigmatização e de
segregação, seja em termos de classe, seja em termos de raça”.
Por
isso, debater racismo sem leviandade é fundamental para a classe trabalhadora.
Fonte: Portal CTB
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