Informativo
Juízes justiceiros e falso garantismo jurisprudencial: duas faces da moeda do golpe
Num país polarizado como o
nosso, juízes, em boa parte, ou se tornaram moralistas irascíveis na persecução
penal, não fazendo concessões a garantias processuais, ou passaram a reagir
frouxos feito bola de gude em boca de banguela, abandonando quaisquer
critérios, para decidir ao sabor da ocasião e da cara do freguês. Difícil é, em
nossos dias, encontrar o magistrado equilibrado, que respeita a soberania
popular no critério da lei, ora para endurecer, ora para preservar algum
pragmatismo para garantir julgamento justo de cada um segundo suas
especificidades pessoais.
Com o golpe parlamentar,
perdemos o sentido da segurança jurídica. Os julgados se converteram em gritos
de guerra, espaços em que a visão individual do julgador atropela o interesse
público: juízes ou são do tipo ferrabrás que decretam o estado bélico contra
tudo que lhes pareça leniente, ou são oportunistas que mobilizam sua artilharia
contra as normas postas para beneficiar este ou aquele réu. Não há meio termo,
não há o uso da razão na aplicação da lei. Usa-se com mais frequência o fígado,
a bronca contra os que pensam diferente de si.
De um lado, temos, hoje, os
Moros e os Glaucenires da vida, heróis em causa própria; do outro, Gilmar
Mendes e sua jurisprudência de ocasião. Cada um tem sua claquete. A de Moro e
de Glaucenir se confunde com a de Bolsonaro e a de Gilmar está mais para uma metamorfose
ambulante: quando mira os petistas com uma bronca de fazer Moro corar, a
direita vibra; quando se fantasia de garantista, a esquerda intelectual o vê
como tábua de salvação no mar de fascismo revolto.
Previsíveis são apenas juízes
do tipo Moro ou Glaucenir. Não que com isso façam genuflexão para a segurança
jurídica. A insegurança de todas e todos é sua marca principal: ninguém escapa
de suas gadanhas. O primeiro a ser agredido é o Estado de Direito e suas
garantias constitucionais. Na guerra contra a “corrupção”, não valem nada. A
perspectiva de ser qualquer um colhido pelo arbítrio, como por um raio em céu
de brigadeiro, é o que torna esses juízes todo poderosos.
Com Gilmar, depende. Trabalha
sempre como bom jogador de buraco. Não desdenha as cartas do lixo, pensando na
canastra futura. Para fazer ativo jurisprudencial a ser usado em caso de algum
amigo precisar, mostra-se benevolente com os inimigos. Isso explica porque é
capaz de soltar José Dirceu, como solta Aécio Neves. Como bom constitucionalista
que é, sabe que benefícios extraordinários só conseguem se legitimar na
aparência de alguma isonomia. Não que a queira, mas porque dela precisa para
arrancar seus corrompidos das gadanhas dos Moros e dos Glaucenires da vida.
Liberar José Dirceu, para ele, não passa de indesejável, porém inevitável dano
colateral. Se pudesse garantir a Aécio o Nirvana e mandar José Dirceu para o
inferno, estaria no mundo que pediu a Deus. É bom lembrar que o golpe, de que
Gilmar foi um dos articuladores, se alimentou dessa bipolaridade social, só por
vezes escamoteada na intenção de aprofundar, jamais de afrouxar o golpe.
Acreditar em Gilmar é tão
temerário quanto acreditar nos juízes justiceiros. São as duas faces da mesma
moeda, a que comprou a degeneração de nossas instituições e permitiu que o
arrastão de trombadinhas se alojasse no Planalto. Se hoje esse articulador do
golpe está de bem com as garantias constitucionais, é pela necessidade de
acercar os seus do poder e, logicamente, afastar dele os que foram expulsos
pelo uso fraudulento do impeachment.
Não que as contradições do
golpe não mereçam ser exploradas, mas a guerra aberta por Moros e Glaucenires
contra Gilmar não merece nosso aplauso, do mesmo jeito que o revide de Gilmar
no CNJ contra os justiceiros não é uma briga das forças democráticas. A estas,
compete assistir ao embate, sem nele se tornarem atores. Os que são brancos,
que se devorem. Não há, aqui, uma luta do bem contra o mal ou vice-versa. Há
duas expressões do corrompimento institucional a se degladiarem. Só isso.
Sobra para a sociedade, nessa
decadência de um judiciário que quer desapropriar a política dos políticos, a
certeza da necessidade de ampla revisão do quadro constitucional que
restabeleça a soberania popular e imponha a responsabilização tanto dos que se
portam com excesso de poder e falta de decoro na função judicante, quanto os
que desta se aproveitam para desequilibrar o jogo democrático a favor deste ou
contra aquele ator político de sua predileção ou de sua bronca.
Fonte: Brasil247
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