Informativo
SINDICALISTA SUSPEITA QUE BOLSONARO QUER VENDER A “ALMA” DO BRASIL AO GOOGLE OU À AMAZON. ENTENDA O QUE ESTÁ EM JOGO
O
programa de privatizações do governo federal começa a acelerar, desmontando
empresas como o Serpro e a Dataprev, que têm bancos de dados com informações de
cada cidadão brasileiro
Por Rani de Mendonça, Brasil de
Fato
Recife
– O governo federal colocou o Serviço Federal de Processamento de Dados
(Serpro) e a Empresa de Tecnologias e Informações da Previdência Social
(Dataprev) no Programa Nacional de Desestatização.
A
privatização das empresas, responsáveis por gerir a infraestrutura de
tecnologia do país, já havia sido anunciada em agosto – mas, agora, já tem
previsão de fechamento de algumas unidades.
O Brasil
de Fato conversou com Sheyla Lima, presidenta do Sindicato dos
Trabalhadores em Processamento de Dados, Informática e Tecnologia da Informação
do Estado de Pernambuco (Sindpd-PE) sobre o que estas privatizações significam
para o país.
Um dos argumentos usados pelo
governo para incluir as duas estatais no Plano de Privatizações é de praticarem
preços acima dos de mercado e terem custos elevados. É verdade?
Essa
é sempre uma argumentação que eles trazem. O governo alega que o custo é muito
alto. O grande cliente dessas duas empresas é o próprio governo. Então, essa
negociação tem que ser feita diretamente com o governo, sobre os preços dos
serviços. Porque tem a prestação do serviço, a guarda das informações e o
desenvolvimento de todos esses sistemas. No Serpro são mais de quatro mil, na
Dataprev mais de 700 serviços.
Tudo
isso o governo pode chegar e negociar, porque são empresas públicas. Não é
verdade que é um serviço mais caro, até porque não foi feito o levantamento de
quanto custa o total desses serviços nas empresas privadas, além de que não
podemos contar com o compromisso com a continuidade ou a descontinuidade do
cumprimento desses serviços.
Para
você ver, agora estamos com um problema imenso, que é o anúncio do fechamento
de 16 unidades da federação do Serpro, que são os escritórios, e 20 da
Dataprev, inclusive aqui em Pernambuco. O programa de privatização começa a
acelerar, desmontando as empresas.
E
começam desmontando nacionalmente. Aqui mesmo em Pernambuco, a unidade da
Dataprev teve um investimento no imóvel, com reformas, para a permanência dessa
empresa, no ano passado e agora anunciam que vão fechar até o final de
fevereiro. Esse debate da ‘economia’ não é verdade. É simplesmente desmonte do
estado.
Qual o Sindpd avalia que seria
o motivo pela privatização?
Nós
avaliamos que é o capital quem está dando as regras do jogo. É inadmissível você
imaginar um país como o nosso, que teve um crescimento imenso em duas décadas
basicamente, uma história como a Petrobras, que as guerras pelo mundo afora são
por conta do petróleo e hoje está sendo fatiada, desmontada e sendo vendida ao
capital estrangeiro.
É
o capital ditando as regras, independentemente que isso signifique perder a
soberania do país, independentemente que a gente volte a ser o quintal dos
países “desenvolvidos”.
Não
há uma política de fortalecimento do Estado brasileiro, não há uma política
para a soberania nacional, para que a gente mantenha o país como um país forte,
como uma nação soberana, como um país respeitado lá fora. E quem compra? A
China, os Estados Unidos, a Espanha…
A
sociedade não tem noção do que está acontecendo. Enquanto isso, eles vão
atropelando e vendendo. Desrespeitam o país, desrespeitam o povo brasileiro e
não respeitam as regras constitucionais, do direito administrativo, do direito
civil e trabalhista. O capital está passando por cima de tudo, infelizmente.
Que dados (da população) são
estes que estão em jogo?
Só
para se ter uma ideia, vamos levar em consideração a Dataprev. Quando você
nasce, você já está dentro do banco de dados, porque a relação não é só com a
previdência, mas também com os cartórios e com outros órgãos de governo também.
Após 24 horas, toda a movimentação cartorial que é feita, essas informações,
vão para o banco de dados da Dataprev.
Então,
se você nasce, se você morre, se você vende, sua vida trabalhista. Quanto ao
Serpro, todas as informações fiscais, contábeis e sociais estão dentro dessa
base de dados.
Então,
quem eu sou, onde estou, como estou, quanto recebo, quanto gasto, quanto
invisto, quanto eu compro, o que eu compro, onde eu compro, se eu saio do país,
se eu entro no país, se sou brasileiro, se sou estrangeiro; das pessoas
jurídicas… Tudo.
Agora
eu pergunto: por que tem empresas como a Amazon e a Google interessadas em
comprar o Serpro? Se são empresas que não funcionam bem, que estão sucateadas,
que não interessam, por que essas grandes empresas internacionais têm
interesse? Porque essas informações são fundamentais.
São
as informações de todo o povo brasileiro, de todas as empresas e do governo.
Tudo que o governo paga, tudo que ele recebe, os dados administrativos e
financeiros de todos os empregados do governo, todas as compras, todas as
licitações, o que o governo faz de fiscalização e arrecadação em portos,
aeroportos e vias terrestres. Tudo isso.
Se
um governo de um país como é o Brasil, de uma dimensão continental, que tem
estratégias para dentro e para fora do país, essas informações também estão
dentro de suas empresas, como é que ele vai jogar isso para o capital
estrangeiro?
Quando
as empresas públicas foram criadas, foram pensadas com uma forte garantia de
segurança em que o dado segue a finalidade. Ou seja, se eu pego a minha
informação para, por exemplo, me aposentar, a Receita Federal ou a Previdência
pega minha informação para uma finalidade e só vai ser utilizado para isso e
ponto, ele não vai ser utilizado para mais nada.
E
nós não vamos ter esta mesma garantia que isso aconteça com o setor privado. O
que nós vemos são vários vazamentos de informações que acontecem por aí.
Quais as movimentações do
governo em torno da privatização recentemente?
A
princípio, demoraria em torno de dois anos, com estudos para começar de fato o
processo de privatização. O que se percebeu efetivamente é que o governo
acelerou este processo.
Serpro
e Dataprev são empresas originárias e precisam de autorização do Congresso
Nacional para poderem ser privatizadas. Então, tem que ir para as duas Casas,
para o Executivo receber a autorização para ser vendida.
O
que é que está acontecendo? O governo acelerou o processo de desmonte dessas
duas empresas e anunciou o fechamento de 16 unidades do Serpro e de 20 unidades
da Dataprev. Então você diminui o tamanho para facilitar lá no Congresso
Nacional ou tentar pular essa etapa, mostrando números não reais.
O
Salim Mattar, que é empresário, dono da Localiza e é Secretário de
Desestatização, o negócio dele é vender, sem critérios. Vemos os
pronunciamentos dele e não há nenhuma argumentação relativa à estratégia dessas
empresas, à funcionalidade delas. A questão é privatizar e acabou a história.
Aceleram
o processo sem comunicação, sem respeito nenhum aos empregados que têm 10, 20,
30 e até 40 anos dentro dessas empresas. Os anúncios, por exemplo, foram feitos
em um período de férias, quando tem o recesso parlamentar, do Judiciário e
afins.
Para
a Dataprev, 11 dias foi o prazo dado para os funcionários serem informados de
que estão sendo fechadas as unidades, apresentarem um PAC (plano de ajustamento
de conduta), que é um programa de demissão que não é vantajoso em nenhum
momento, e caso o empregado não aderir, eles disseram “a demissão vai ser
sumária e as portas serão fechadas”.
É
(ter) nenhum cuidado com o principal patrimônio, que é a pessoa. Os prédios não
pertencem ao governo a, b ou c, é do povo brasileiro e eles saem passando um
trator, vendendo as sedes para acabar também com o símbolo.
Como os trabalhadores têm se
organizado?
Os
trabalhadores pegos de surpresa, alguns que já esperavam e o movimento
sindical, que é a representação desses trabalhadores nacionalmente, se
organizaram em uma luta conjunta das duas empresas, porque elas estão na mesma
situação, talvez uma mais acelerada do que outra.
A
gente vai resistir, ninguém vai esperar isso sentado, estamos buscando todas as
possibilidades jurídicas, no Executivo, no Legislativo, em diálogo com a
população, fazendo audiências públicas em todo o país.
Aqui
em Pernambuco tem uma audiência pública para acontecer em fevereiro, onde a
gente pretende falar para os congressistas e para a população o que são essas
duas empresas e a importância delas.
Um
dado que eu acho que é extremamente importante, que essas são empresas também
que têm uma participação efetiva na questão dos impostos dentro dos estados e
dos municípios que elas estão inseridas.
O
Serpro tem estado ao longo dos anos entre as 30 empresas do ISS do município do
Recife, então, não é uma coisa pequena. Não se abre mão de R$ 2 milhões/ano de
um recolhimento de imposto. Estamos buscando apoio junto ao município e ao
governo do estado e ao Consórcio Nordeste – este já tivemos até reunião.
O
Recife é uma das cidades de polo importantíssima dentro ramo de TI. Nós temos
aqui o Porto Digital, como vamos abrir mão do Serpro e da Dataprev? O Serpro é
a maior empresa de informática pública do mundo, ganhou o prêmio da melhor
empresa de TI em 2019. Como vamos abrir mão disso? Fechar essas empresas é ruim
para o município, é ruim para o estado e é péssimo para o país.
E como trabalhadora do Serpro,
como você se sente?
Para
gente é muito difícil, enquanto empregados que construíram e que constroem
essas empresas, que sabemos a importância e valorizamos o papel (das empresas)
para a sociedade, a gente que está lá. Vimos elas diminuírem em menos da metade
o número de empregados, no governo de Collor.
Depois,
ao passar do tempo, tivemos um governo progressista, um governo do povo, em que
vimos os concursos públicos vindo, e a gente vimos a reestruturação até as
empresas ganharem prêmios. Passamos por isso e é dolorido demais ver as pessoas
sendo demitidas como se não fossem nada, como se não tivessem papel nenhum na
sociedade, nem nesse mundo.
Estou
há quase 37 anos no Serpro e vou dizer o que tenho dito aos empregados: eu
quero, daqui a dez, 15 anos, passar na frente dela e dizer que foi a empresa
que eu trabalhei a minha vida toda e que ela continua pública e eu quero que
ela ainda exista.
Porque
não pode você ver tudo isso ser destruído dessa forma, por uma
irresponsabilidade de um governo que é neoliberal e que está vendendo o país
sem critério nenhum, jogando tudo no lixo, o que foi construído a muito custo.
Por
isso que eu digo que é o povo brasileiro que tem que se unir e não permitir
isso, porque essa venda das estatais e a destruição do país não afeta só a mim
ou a um empregado da Petrobras ou da Caixa Econômica não, afeta o povo
brasileiro. Temos que cobrar desse governo o mínimo de responsabilidade com o
que não é dele, como as estatais, que são do povo.
Vamos
lutar e vamos lutar até o fim.
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