Informativo
“PARTIDO DA LAVA-JATO” QUER LEVAR MORO À PRESIDÊNCIA DO BRASIL
O
advogado Marcelo Nobre, que entre 2008 e 2012 foi membro do Conselho Nacional
de Justiça, uma instituição que zela pela autonomia do poder judiciário, teme
pela democracia no Brasil. Na semana em que Jair Bolsonaro falou num acordo
para nomear o seu ministro da Justiça que dirigiu a operação Lava Jato, Sergio
Moro, para o Supremo Tribunal Federal (acordo que depois negou), o filho de
Freitas Nobre, um político que lutou contra a ditadura militar instalada em
1964, esteve no Porto debatendo sobre o combate à corrupção, a convite da
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e da Academia de Jurisprudentes
de Língua Portuguesa.
Ele
concedeu a seguinte entrevista ao jornal Público, de Lisboa:
Porque fala do “Partido da
Lava-Jato”, referindo-se a quem conduziu a investigação? Existe um projeto de
poder por detrás da investigação?
Quando
eu falei em “Partido da Lava-Jato”, referi-me a alguns agentes públicos que
atuam politicamente nas funções da investigação, da acusação e na de julgar.
São alguns policiais, alguns membros do Ministério Público e alguns juízes de
uma geração mais jovem, que ingressaram em carreiras públicas e passaram a
fazer política por meio dos seus cargos, o que acabou originando o que tenho
chamado “Partido da Lava-Jato”. A maior expressão deste grupo é Sérgio Moro, um
ex-magistrado de primeira instância que, ao deixar a magistratura para assumir
um cargo político de expressão, demonstrou que existe um “partido” e um projeto
de poder.
No dia 12 o Presidente
Bolsonaro revelou que, pouco depois de ser eleito, assumiu com o então juiz
Moro o compromisso de indica-lo para o Supremo Tribunal Federal (STF), assim
que abrir uma vaga, como compensação por ele ter abandonado a carreira de 22
anos de magistratura para ser ministro. É ele o líder desse “partido”?
Moro
é a principal expressão, mas não a única. Há alguns outros integrantes do
Ministério Público agindo politicamente, como o procurador Deltan Dallagnol,
também da Lava-Jato e homem de confiança de Moro, que, recorrentemente, ataca
publicamente decisões do STF, jogando a sociedade e parte da imprensa contra a
instituição, o que é uma irresponsabilidade muito grande. As instituições não
podem render-se ao clamor popular. Não se pode prender alguém, como ocorre na
Lava-Jato, por ato de vontade. Uma prisão deve ser sempre um ato de direito. Da
mesma forma, não se pode condenar publicamente um acusado, antes do devido
processo legal. Em um Estado de direito pleno, o rito processual deve ser
observado. E não é isso que tem acontecido em grande parte da Lava-Jato.
Sérgio Moro quer ser o próximo
Presidente da República?
Apesar
do presidente Bolsonaro estranhamente ter anunciado com a antecedência de 18
meses que indicará Moro para o STF, não tenho dúvida de que ele, percebendo que
a sua popularidade é maior que a do presidente – pesquisas indicam isso –
cogite, sim, ser presidente da República. A sua conduta tem revelado que tem o
objetivo de ocupar a Presidência. O fato de o presidente Bolsonaro vir a
público para dizer que vai indicar o Moro ao STF mostra, para mim, pelo menos
três coisas relevantes: a primeira é que Moro desagrada a Bolsonaro na função
de ministro e que o presidente não conseguirá ficar nessa situação por mais
quase quatro anos; a segunda é que Bolsonaro não consegue demitir o seu ministro
da Justiça em razão da popularidade dele; a terceira é a de que o presidente o
deixará numa situação constrangedora por mais de um ano e seis meses, o que é
uma eternidade em política. Nesse período, Moro não poderá indispor-se ou
brigar com o mundo político, pois, para ser aprovado para o STF, precisará de
obter no Senado Federal, no mínimo, 41 votos.
Qual o poder efetivo que tem o
STF no desfecho desses processos hoje em dia?
O
STF tem a palavra final sobre todas as investigações e processos. Isso faz com
que ele tenha o poder máximo. É por essa razão que sofre tanta pressão. Estão
tentando intimidar o STF. Alguns dos principais personagens da Operação
Lava-Jato manifestam-se de várias formas, inclusive pelas redes sociais,
dizendo como o STF deve votar em determinados casos, buscando jogar a população
contra o Supremo, caso decida diferentemente daquilo que desejam. Espera-se, no
entanto, que os ministros do Supremo tenham a independência e a serenidade
necessárias para se manter acima das pressões.
Tem algum interesse próprio
nessa investigação?
Não
tenho interesse pessoal, nem profissional. Não defendo ninguém investigado pela
Lava-Jato e nunca fui filiado a nenhum partido político.
Mas reconhece alguma verdade
nos fatos que sustentam o processo, ou não?
Reconheço
verdade naqueles processos que tiveram um julgamento justo, ou seja, naqueles
em que a defesa mereceu atenção, sendo levada em consideração na decisão, com
base em provas produzidas e não apenas no que foi dito em delações que, muitas
vezes, são baseadas em mentiras oportunistas que buscam apenas benefícios de
penas mais leves. É importante esclarecer que a delação não se encerra em si
mesma; ela é uma espécie de guião para se buscar provas sobre o que disseram.
Houve um tempo em que o pêndulo ficava preso do lado da impunidade, e, hoje,
este mesmo pêndulo está preso na outra extremidade, que é a do punitivismo.
Precisamos urgentemente de encontrar o equilíbrio.
Considera que a democracia está
posta em causa no Brasil? Quer dar exemplos concretos do ataque às instituições
democráticas?
Sim,
considero que a democracia está em risco. As gerações anteriores que atuaram na
política no Brasil não produziram os seus sucessores. Com o descrédito dos
políticos e a criminalização da política, os jovens afastaram-se dela. Assim, a
política passou a ser feita por algumas pessoas sem vocação para negociar e
obter consensos. Muitos daqueles jovens que gostariam de ir para a política
desmotivaram-se e passaram a fazer política em instituições como a Polícia
Federal, o Ministério Público e a magistratura. É desapropriado e perigoso
fazer política nesses ambientes. Para a nossa sorte, não são todas as pessoas
que compõem essas instituições que agem ou concordam com esta forma de atuação.
Contudo, ela é indevida e gerou abusos e esses excessos também se voltam contra
as instituições como a do Judiciário. Se permitirmos que essas esferas sejam
intimidadas, a democracia estará em perigo.
Em Portugal, tem-se discutido o
valor da delação premiada no processo penal. Mas é um tema polêmico. Quais as
vantagens e desvantagens que constata neste expediente processual?
A
delação é inegavelmente um instrumento importante na busca da verdade em um
processo criminal, mas também pode ser perigosa, dependendo da forma como é obtida
e do uso que se faz dela. Em Nova York, por exemplo, se algum membro do
Ministério Público insinua que deseja que o colaborador conte algo sobre
determinada pessoa, esse agente é preso. No Brasil, inúmeras delações foram
induzidas vergonhosamente, com pressões para que falassem sobre determinadas
pessoas de forma direta. Muitas delações na Operação Lava-Jato foram seletivas;
não foram entregues ao processo na sua integralidade. Em muitos casos, só foram
disponibilizadas partes com determinadas pessoas, conforme interesses
estratégicos, o que é inadmissível em um processo justo e em um país
democrático.
O poder Judiciário hoje anda a
reboque das redes sociais? Só no Brasil ou é uma tendência global?
Todos
nós nos preocupamos com o que os outros pensam e dizem de nós, e o poder
Judiciário é composto por seres humanos. As redes sociais, hoje, são a arena
romana de antigamente. Veja: a sociedade romana enchia o Coliseu sem conhecer a
acusação que pesava sobre aquela pessoa que era jogada na arena e sem qualquer
informação mínima para julgá-la. E, mesmo assim, colocava o polegar para cima
ou para baixo, decidindo se o acusado viveria ou morreria, exatamente como hoje
acontece com os likes e dislikes das redes sociais, que elevam ou matam as
reputações. Entendo que essa tendência é mundial.
Durante a ditadura, o seu pai
foi um dos lutadores pela redemocratização. De que forma isso determinou a sua
vida e as suas opções?
Como
um observador privilegiado de um momento difícil da história brasileira, posso
dizer que é muito ruim e preocupante ver uma nação não ter respeito pelas
liberdades individuais e não prestigiar a defesa de alguém, julgando
antecipadamente. Não posso aceitar que pessoas se achem acima da lei, depois de
tanta luta para reconquistar a democracia. Ter a oportunidade de conviver e
aprender com Freitas Nobre, meu pai, um homem preparado intelectualmente,
vocacionado para servir o seu povo e a sua nação, um verdadeiro democrata, foi
fundamental na minha formação e o seu exemplo motiva-me a lutar incansavelmente
para preservar o Estado democrático de direito e a democracia.
Fonte: Umberto Martins – Portal
CTB
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