Informativo
O DESAPREÇO DO STF PELOS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS
José
Geraldo de Santana Oliveira*
Em
meio ao resgate histórico dos grandes julgamentos levados a efeito nos seus 130
anos de atuação — iniciada em fevereiro de 1891 —, o Supremo
Tribunal Federal (STF) destaca, em seu Portal, ao dia 14 de maio corrente,
diversos processos sobre trabalho, previdência e serviço público, com destaque
para: “Correção monetária de créditos trabalhistas, direito de greve,
desaposentação, contribuição sindical, terceirização, licença-maternidade
e outros temas trabalhistas e previdenciários”.
A
relevância política e social do STF para a construção do Estado
Democrático de Direito é insuscetível de questionamento; somente
os órfãos dos períodos ditatoriais, inimigos figadais da ordem democrática
plena (hoje, capitaneados pelo presidente da República), prestam-se a
questioná-la, tendo como torpe objetivo o mergulho do país nas trevas, posto
que não são capazes de viver à luz da liberdade e do pujante vento das
garantias de eficácia plena dos fundamentos da República, insculpidos no Art.
1º da Constituição Federal (CF).
Afigura-se igualmente
insuscetível de questionamento o imperioso dever de se defender, com
elevada veemência, sua independência e sua sólida atuação, na diuturna
missão primeira, que é a de guardar a CF, com ela mesma estabelece em
seu Art. 102.
Como
bem acentua, em repetidas manifestações, o notável e acreditado professor e
jurista Lênio Streck, todos os que pugnam e lutam pela efetiva construção do
Estado Democrático de Direito, necessariamente, têm de pensar e agir
como “amicus” da Corte, o que importa inconciliável repúdio aos
citados “inimicus”.
Todavia,
essas improrrogáveis condições, que se estendem a todos, sem exceção, nem de
longe podem importar e/ou exigir concordância acrítica com as decisões que dele
emanam, especialmente as que, aos olhos do mundo do trabalho, trazem a marca da
negação absoluta dos fundamentos dos valores sociais do trabalho, quarto
fundamento da República (Art. 1º, IV, da CF); dos direitos fundamentais
sociais, que têm por escopo a melhoria das condições sociais dos trabalhadores
urbanos e rurais (Art. 7º da CF); da valorização do trabalho humano (Art. 170,
caput, da CF); e do primado do trabalho (Art. 193 da CF).
Isso é facilmente
constatável inclusive nas decisões realçadas na matéria postada em seu Portal,
ora sob comentários, com exceção da licença-maternidade, bem como em
muitas outras, que serão, aqui, trazidas à baila, que versam sobre
ultratividade das normas (ADI 2.200), repouso semanal aos domingos (ADI
3.975) e comum acordo para ajuizamento de dissídios coletivos de natureza
econômica (ADI 3.431).
Como
se pretende demonstrar neste singelo arrazoado, as mencionadas decisões, com o
devido respeito, não se acham em sintonia com o que preceitua a CF, não
engrandecem a Corte nem se destacam pela imparcialidade. Ao contrário,
representam cristalina e suprema preferência pelos valores da livre iniciativa,
em detrimento dos valores sociais do trabalho, da valorização do trabalho
humano e do primado do trabalho.
Paradoxalmente,
ao tempo que guarda com fidelidade e rigor os direitos individuais, esmera-se
na desproteção dos fundamentais sociais, esvaziando-os e/ou decretando sua
morte; raros são os direitos desse jaez que batem à sua porta e não saem
em uma mortalha. Há uma pletora de julgamentos que confirmam essa assertiva, a
começar pelo que aparece em primeiro lugar na referida matéria de seu portal:
correção monetária dos créditos trabalhistas, por ele decidida nas ADCs 58 e
59, em dezembro último.
TERCEIRIZAÇÃO
FAVORECIDA
A
decisão proferida nessas ADCS, a toda evidência, caracteriza-se como uma
iniquidade contra os trabalhadores cotidianamente usurpados em direitos
fundamentais elementares e que, até o advento dessa, eram corrigidos pela
TR mais juros de mora de 1% ao mês, de sorte que, a cada doze meses, os
créditos judicialmente reconhecidos eram corrigidos, ao menos, em 12%.
É
fato que, como registra na matéria sob comentários, o STF declarou a
inconstitucionalidade da TR para tal finalidade. Porém, a solução dada, longe
de representar alento aos trabalhadores credores de direitos subtraídos,
caracteriza-se como colossal prejuízo, pois que seus créditos, até que
sobrevenha nova regulamentação legislativa, serão corrigidos pela Selic, que
engloba correção monetária e juros e que se acha fixada em 3,5%.
Assim,
os créditos que eram anualmente corrigidos em pelo menos 12%, a partir da
decisão do STF passaram a sê-lo por 3,5%, ou seja, 8,5% menos do que
dantes.
Se,
para empresas inescrupulosas, já era bom negócio inadimplir direitos
trabalhistas, pois que considerável parcela dos lesados nem sequer recorre ao
judiciário para reavê-los, com tal iníqua decisão essa
prática se transformou em convidativo negócio.
A
iniquidade da decisão sob questionamento pode ser constatada pela opinião do
ministro do TST Ives Gandra da Silva Martins, declarado algoz dos direitos
trabalhistas, em artigo de opinião publicado pela Revista Conjur, aos 23
de dezembro de 2020, sob o título “A atualização dos débitos judiciais
trabalhistas na visão do STF”, que, em verdade, tem por objetivo festejá-la.
Como
conclusão, o ministro do TST registra:
“Ao
pensar nessa relação indissociável entre a correção monetária e os juros como
elementos de um sistema equilibrado de compensação pelo não pagamento a tempo
das obrigações contratuais, tal como congeminados na taxa Selic, concluo estas
linhas lembrando da passagem de Chesterton em ‘Ortodoxia’: ‘Com um puxão
demorado e constante, tentamos tirar a mitra da cabeça do pontífice; e a cabeça
dele veio junto com a mitra’”.
No
julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 63.5546, citado na
comentada matéria de seu Portal, o STF, como nela registrado, decidiu que não
se equiparam direitos trabalhistas de terceirizados e empregados da
tomadora — no caso, empresa pública.
A decisão
proferida nesse RE foi assim ementada:
“Decisão:
Em continuidade de julgamento, o Tribunal, por maioria, fixou a seguinte tese
de repercussão geral (tema 383):‘A equiparação de remuneração entre empregados
da empresa tomadora de serviços e empregados da empresa contratada
(terceirizada) fere o princípio da livre iniciativa, por se tratarem de agentes
econômicos distintos, que não podem estar sujeitos a decisões empresariais que
não são suas”.
Não
obstante ser a decisão autoexplicativa quanto aos reais objetivos da
terceirização, reputada como constitucional na ADI 5.685 e no RE
85.8252, a declaração do ministro Luís Roberto Barroso desnuda-os de forma
clara e ostensiva.
Veja-se:
“Exigir
que os valores de remuneração sejam os mesmos entre empregados da tomadora de
serviço e empregados da contratada significa, por via transversa, retirar do
agente econômico a opção pela terceirização para fins de redução de custos (ou,
ainda, incentivá-lo a não ter qualquer trabalhador permanente desempenhando a
mesma atividade).Trata-se, portanto, de entendimento que esvazia o instituto da
terceirização (ou que amplia desnecessariamente seu uso). E limita
injustificadamente as escolhas do agente econômico sobre a forma de estruturar
a sua produção”.
Parece
ser despiciendo qualquer juízo de valor sobre essa declaração; ela diz tudo
que é necessário entender sobre terceirização.
Para
corroborar a assertiva de desapreço do STF pelos direitos fundamentais sociais,
vale trazer, aqui, alguns fundamentos do voto vencedor do ministro Gilmar
Mendes, proferido na ADI 3975, que visava a declaração de inconstitucionalidade
da Lei N. 13429/2017, que rompe todos os limites e barreiras para a
terceirização total.
Ei-los:
“[…]
Para admitirmos que os ares socioeconômicos são completamente diversos daqueles
em que se assentaram as bases principiológicas do Direito do Trabalho, basta
observar que a maior empresa de transportes do mundo não tem um carro sequer, e
a maior empresa de hospedagem do mundo também não dispõe de um único
apartamento. Refiro-me aos paradigmáticos Uber e Air B&B, ambos fundados em
economia colaborativa e na descentralização da atividade econômica entre
diversos agentes mercadológicos.
[…]
A
terceirização é justamente um consectário desse modelo
descentralizado, externalizado. E, se as bases socioeconômicas são outras, é inevitável
que tenhamos que conformar a disciplina em torno delas”.
[…]
4
Paternalismo e a necessária refundação do Direito e da Justiça do Trabalho.
Nelson
Rodrigues já dizia que ‘subdesenvolvimento não se improvisa; é fruto
de séculos’. Os dilemas que hoje o mercado nos impõe, e que exige que
reflitamos a respeito do nosso modelo de direitos sociais, nomeadamente os
trabalhistas, são fruto de uma cultura paternalista que se desenvolveu há décadas.
O Direito do Trabalho brasileiro baseia-se em uma premissa de contraposição
entre empregador e.. empregado; na prática, uma perspectiva marxista de luta
entre classes […]”.
Será que
há necessidade de se dizer algo sobre essa veemente tese? Parece que não!
DECISÕES
ANTISSINDICAIS
No
tocante à ADI 5.794, igualmente referenciada na discutida matéria do
Portal do STF, a Corte não só “validou o fim da contribuição sindical
compulsória e a determinação de autorização expressa do trabalhador para a
efetivação do desconto”, bem como, a partir dela, transformou a
organização sindical brasileira em algo disforme, injusto e inviabilizador de
sua própria existência independente e capaz de cumprir seus deveres
constitucionais, determinados pelo Art. 8º, III, da CF:
“III –
ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais
da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas”.
Sem
nenhum eco na realidade concreta, o item 13 da Ementa do Acórdão, com todo
respeito, hipocritamente, assevera:
“[…]
13. A Lei nº 13.467/2017 não compromete a prestação de assistência judiciária
gratuita perante a Justiça Trabalhista, realizada pelos sindicatos inclusive
quanto a trabalhadores não associados, visto que os sindicatos ainda dispõem de
múltiplas formas de custeio, incluindo a contribuição confederativa (art. 8º,
IV, primeira parte, da Constituição), a contribuição assistencial (art. 513, alínea
‘e’, da CLT) e outras contribuições instituídas em assembleia da categoria ou
constantes de negociação coletiva, bem assim porque a Lei n.º 13.467/2017
ampliou as formas de financiamento da assistência jurídica prestada pelos
sindicatos, passando a prever o direito dos advogados sindicais à percepção
de honorários sucumbenciais (nova redação do art. 791-A, caput e § 1º, da
CLT), e a própria Lei n.º 5.584/70, em seu art. 17, já dispunha que,
ante a inexistência de sindicato, cumpre à Defensoria Pública a
prestação de assistência judiciária no âmbito trabalhista”.
Qualquer
estudioso com o mínimo de isenção que se der a tarefa de analisar a
decisão, na sua íntegra, e este item, em particular, e de cotejá-lo com a
Súmula vinculante 40 — “A contribuição
confederativa de que trata o art.8º, IV, da Constituição Federal, só é exigível dos filiados ao
sindicato respectivo” —, forçosamente será obrigado a concluir
que o STF, deliberadamente, ao julgar a ADI 5.794 e a ADC 55, teve como
insofismável escopo a declaração de morte dos sindicatos.
A
organização sindical, por força do que preconiza o Art. 8º, II, III e IV,
funda-se em categorias, profissional e econômica, decorrendo daí que os
sindicatos representam todos os integrantes de sua categoria, associados ou
não. Com isso, os instrumentos normativos coletivos, convenções e acordos
coletivos, são, justa e obrigatoriamente, extensivos a todos quantos integram
aquela.
Contudo,
em conformidade com o entendimento do STF, presente na Súmula vinculante 40, na
decisão proferida na ADI 5794 e nas reclamações que se seguiram, todas do mesmo
jaez, apesar de todos se beneficiarem das destacadas conquistas, a obrigação de
custear o financiamento das entidades sindicais recai tão somente nos
associados, quer quanto à contribuição confederativa, quer à assistencial, sendo
vedada sua cobrança de não associados.
Desse
modo, o STF divide as categorias em dois seguimentos distintos: os que
possuem direitos e obrigações, que são os associados; e os que só possuem
direitos, nenhuma obrigação, os não associados. Isso, para além de malferir
a ética e o Art. 884 do Código Civil, que veda o enriquecimento sem causa,
quebra o universal e multissecular princípio da isonomia, porquanto desiguala
os iguais.
Disso
decorre o seguinte questionamento, do qual o STF faz questão de passar ao
largo: que trabalhador terá incentivo para se associar se esse ato voluntário
se transforma em punição, visto advir dele a obrigação de contribuir para
a entidade enquanto os que se recusam a fazê-lo gozam dos mesmos
benefícios, exceto o de votar e ser votado, sem obrigação de contribuir?
Como
tiro de misericórdia nos sindicatos, o STF, no último período sintático do item
13, sob impugnação, jocosamente, afirma:
“[…] e
a própria Lei n.º 5.584/70, em seu art. 17, já dispunha que, ante a
inexistência de sindicato, cumpre à Defensoria Pública a prestação de
assistência judiciária no âmbito trabalhista”.
Para
o STF, que insiste em não reconhecer a relevância social dos sindicatos, em
rota de colisão com a CF — que o faz —, o seu perecimento não
trará nenhuma consequência para a ordem democrática, podendo, nesse caso,
que ele parece esperar com sofreguidão, a Defensoria Pública prestar
assistência judiciária.
No
julgamento da ADI 3.975, que visava a declaração de inconstitucionalidade
da Lei N. 11.603/2007, o STF, por maioria, fez menoscabo no sagrado símbolo do
repouso semanal aos domingos e inverteu a ordem do que estabelece o Art.
7º, XV, da CF — “XV – repouso semanal remunerado,
preferencialmente aos domingos” —, transformando o
advérbio de modo preferencialmente em outro de igual natureza, minimamente; ou
seja, o que constitucionalmente deve preferente, vir antes, em o
que é mínimo.
Veja-se
o que diz a ementa do Acórdão:
“Ação
Direta de Inconstitucionalidade. 2. Lei Federal 11.603/2007. Atividade do comércio
aos domingos e feriados. 3. Alegada violação ao disposto no art. 7º, XV, da CF.
Inexistência. 4. A Constituição, apesar de encorajar o repouso semanal aos
domingos, não exige que o descanso nele aconteça. Precedentes. 5. Ação julgada
improcedente”.
JUSTIÇA
DO TRABALHO DESPRESTIGIADA
A
quebra de símbolos do mundo do trabalho pelo STF e pelo TST não para
por aí. Nessa esteira, ao julgar a ADC 48, retirou da Justiça do Trabalho a
competência para deliberar sobre a existência ou não sobre vínculo empregatício entre
as empresas de transporte rodoviário de cargas e transportadores autônomos,
transferindo-a à Justiça Comum.
“Ementa:
DIREITO DO TRABALHO. AÇÃO DECLARATÓRIA DA CONSTITUCIONALIDADE E AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. TRANSPORTE RODOVIÁRIO DE CARGAS. LEI 11.442/2007, QUE
PREVIU A TERCEIRIZAÇÃO DA ATIVIDADE-FIM. VÍNCULO MERAMENTE COMERCIAL. NÃO
CONFIGURAÇÃO DE RELAÇÃO DE EMPREGO.
1. A
Lei nº 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos
de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga;
(ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras;
e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese. 2. É
legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi
decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única
forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da
livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas
estratégias empresariais dentro do marco vigente (CF/1988, art. 170). A
proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação
remunerada de serviços configure relação de emprego (CF/1988, art. 7º).
Precedente: ADPF 524, Rel. Min. Luís Roberto Barroso. 3. Não há
inconstitucionalidade no prazo prescricional de 1 (um) ano, a contar da ciência
do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art. 18
da Lei 11.442/2007, à luz do art. 7º, XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação
de trabalho, mas de relação comercial. 4. Procedência da ação declaratória da
constitucionalidade e improcedência da ação direta de inconstitucionalidade.
Tese: ‘1 – A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que
a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 – O prazo
prescricional estabelecido no art. 18 da Lei 11.442/2007 é válido
porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de
relação comercial, não incidindo na hipótese o art. 7º, XXIX, CF. 3 – Uma
vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará
configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de
vínculo trabalhista’”.
Com
base nesse entendimento, a ministra Carmen Lúcia, na reclamação 46456, em
decisão monocrática, reafirmou-o.
“Reclamação
46456
6. Pelo
exposto, julgo procedente a presente reclamação para cassar a decisão proferida
pela Vara do Trabalho de Guaíba na Reclamação Trabalhista n.
0021547-86.2017.5.04.0221 e determinar a remessa dos autos daquele processo à
Justiça comum”.
Isso
cria precedente altamente danoso ao mundo do trabalho. Se o STF se
mantiver nessa toada, em breve, a Justiça do Trabalho não será mais competente
para julgar qualquer ação que tenha por objetivo o reconhecimento de vínculo
empregatício; ou, se o for o caso, isso acontecerá após anos de demanda na
justiça comum, o que representa negação absoluta dos valores sociais do
trabalho (Art. 1º, IV, da CF), da valorização do trabalho humano (Art.
170, caput, da CF) e do primado do trabalho (Art. 193 da CF).
ENTERRO
DA ULTRATIVIDADE DAS NORMAS COLETIVAS
Na
sua saga de destruição dos direitos trabalhistas e seus símbolos mais caros, o
STF enterrou de vez a ultratividade das normas coletivas ao julgar a ADI 2200,
que lá tramitou “míseros” 20 anos. Nesse julgamento, por via oblíqua,
reconheceu a constitucionalidade do § 3º do Art. 614 da CLT, com a redação dada
pela Lei N. 13.467/2017, que simplesmente proíbe a citada ultratividade,
até mesmo por acordo entre representantes patronais e laborais:
“EMENTA: AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MEDIDA PROVISÓRIA N. 1.950-62/2000, CONVERTIDA
NA LEI N. 10.192/2001. REVOGAÇÃO DOS §§ 1º E 2º DO ART. 1º DA LEI N.
8.542/1992. ACORDOS E CONVENÇÕES COLETIVOS DE TRABALHO. SUPERVENIÊNCIA DA LEI
N. 13.467/2017. PREJUÍZO DA AÇÃO. 1. Argumentação genérica quanto à indicação
de afronta ao inc. XXXVII do art. 5º da Constituição da República. 2. A
conversão da Medida Provisória n. 1.950-62/2000 na Lei n. 10.192/2001 torna
prejudicado o debate sobre o preenchimento da excepcionalidade exigida pelo
art. 62 da Constituição da República. 3. Nos incs. VI e XXVI do art. 7º da
Constituição da República não se disciplinam a vigência e a eficácia das
convenções e dos acordos coletivos de trabalho. A conformação desses institutos
compete ao legislador ordinário, que deverá, à luz das demais normas
constitucionais, eleger políticas legislativas aptas a viabilizar a
concretização dos direitos dos trabalhadores. 4. Superveniência da Lei n.
13.467/2017, que expressamente veda ultratividade no direito do trabalho brasileiro.
Esvaziamento da discussão quanto à lei revogadora. Impossibilidade de
repristinação das normas revogadas pelos dispositivos questionados. 5. Ação
direta de inconstitucionalidade prejudicada”.
O
reconhecimento da constitucionalidade do § 3º do Art. 614 da CLT, com a redação
dada pela Lei N. 13.467,
desautoriza a própria jurisprudência do STF, firmada no julgamento do RE
590415, em 2015, que abriu largos à prevalência do negociado sobre o
legislado, fazendo-o ao argumento de que era primordial a valorização da
autocomposição coletiva entre capital e trabalho, o que só se viabiliza se se preferir
as normas autônomas às heterônomas.
Já
no julgamento da ADI 3.431,
de autoria da Contee, que lá tramitou por mais de 15 anos, o STF reputou
constitucional a exigência de “comum acordo”, para ajuizamento do dissídio
coletivo de natureza econômica.
“Ação
Direta de Inconstitucionalidade. 2. Art. 1º, da Emenda Constitucional nº
45/2004, na parte em que deu nova redação ao art. 114, §§ 2º e 3º, da
Constituição Federal. 3. Necessidade de “mútuo acordo” para ajuizamento do
Dissídio Coletivo. 4. Legitimidade do MPT para ajuizar Dissídio Coletivo em
caso de greve em atividade essencial. 5. Ofensa aos artigos 5º, XXXV, LV e
LXXVIII, e 60, § 4º, IV, da Constituição Federal. Inocorrência. 6.
Condição da ação estabelecida pela Constituição. Estímulo às formas
alternativas de resolução de conflito. 7. Limitação do poder normativo da
justiça do trabalho. Violação aos artigos 7º, XXVI, e 8º, III, e ao princípio
da razoabilidade. Inexistência. 8. Recomendação do Comitê de Liberdade Sindical
da Organização Internacional do Trabalho. Indevida intervenção do Estado nas
relações coletivas do trabalho. Dissídio Coletivo não impositivo. Reforma do
Poder Judiciário (EC 45) que visa dar celeridade processual e privilegiar a
autocomposição. 9. Importância dos acordos coletivos como instrumento de
negociação dos conflitos. Mútuo consentimento. Precedentes. 10. Ação direta de
inconstitucionalidade julgada improcedente”.
Essas
duas decisões do STF esvaziam por completo as negociações coletivas, deixando
os trabalhadores à mercê de sua própria sorte — hoje, mais do
que nunca, má sorte.
Primeiro,
porque cada negociação começa da estaca zero, não importando quanto tempo as
garantias contidas no instrumento normativo anterior tenham vigido, ou seja,
tenham integrado os contratos individuais dos trabalhadores por ele abrangidos.
Segundo,
porque, se os representantes patronais não concordarem com a renovação
dessas garantias, todas elas, sem exceção, como num passe de mágica, deixam de
integrar o rol dos direitos dos trabalhadores.
Terceiro,
porque, como o dissídio coletivo de natureza econômica depende da concordância
patronal, se essa concordância não for obtida, o que é regra, só
restará aos trabalhadores a lei, e nada mais.
Ante
essas concretas e incontestáveis razões, e ante muita outras não
aventadas aqui, se para o mundo do capital as decisões do STF são flores,
representando o que ele sempre busca “segurança jurídica” para suas
sistemáticas violações dos direitos fundamentais sociais, para os
trabalhadores, são letais espinhos, desesperança e descrença com a justiça, que
só lhes serve como colossal injustiça.
*José Geraldo de Santana
Oliveira é consultor Jurídico da Contee
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