Informativo
CANCELAMENTO DO CENSO 2021 DEIXA O BRASIL ÀS CEGAS EM MEIO À PANDEMIA
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística define o Censo como um conjunto de dados estatísticos dos
habitantes de uma cidade, província, estado, nação etc. Esse tipo de
levantamento já ocorreu em tempos muito remotos e em muitos lugares do mundo, como
no Império Romano – Jesus nasceu, segundo a Bíblia, na Judeia, local para onde
São José e Virgem Maria viajaram para responder ao censo ordenado pelo
imperador romano César Augusto.
No Brasil, o primeiro Censo aconteceu em
1872, durante o Império, tornando-se periódico a partir de 1890. Realizado a
cada dez anos, o Censo Demográfico brasileiro é a única pesquisa que coleta
dados como o número de habitantes em todo o país, a situação de vida e
características dessa população em níveis muito internos, além de ser o
primeiro a tratar do tema da fecundidade e o único na América Latina a colher
informações sobre renda. As informações do Censo orientam a criação de
políticas públicas e investimentos por parte dos governos ou entidades
privadas.
Por conta da pandemia do novo coronavírus, o
Censo Demográfico 2020 foi adiado para 2021, com mais de 200 mil vagas
temporárias para agentes e com a novidade das questões sobre pessoas autistas.
Entretanto, o IBGE sequer pôde dar início à aplicação das provas para as vagas
após o Congresso aprovar um corte orçamentário de 96% dos recursos previstos
para a realização da pesquisa – de R$ 2 bilhões para R$ 71,7 milhões,
provocando o cancelamento da única fonte de referência sobre a situação de vida
da população em todos os municípios brasileiros.
Depois de sancionar o Orçamento de 2021 na
última quinta-feira (22), o presidente Jair Bolsonaro (ex-PSL) retirou mais R$
17 milhões do Censo, que agora conta com apenas R$ 50 milhões. Os cortes também
foram aplicados em áreas como a Previdência e geraram cerca de R$ 26 bilhões a
mais para emendas parlamentares destinadas a obras e ações de interesse de
deputados e senadores.
Eduardo Marques, pesquisador do Centro de
Estudos da Metrópole (CEM) e professor do Departamento de Ciência Política da
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, afirma que os dados
oriundos do recenseamento seriam essenciais para o planejamento de políticas de
saúde e de distanciamento social, de otimização dos transportes e de outras
maneiras de reduzir o contágio da covid-19, que já causou mais de 390 mil
mortes no Brasil.
“Um outro exemplo é a questão da densidade
habitacional e das áreas de precariedade habitacional, como favelas e
loteamentos clandestinos irregulares, que têm o Censo como única ferramenta de
pesquisa que consegue descer a esse nível. Poderíamos fazer uma customização de
políticas”, explica o professor.
Ele reitera que desenhar políticas
territorializadas é importante para atender melhor grupos que estão associados
a esse problema habitacional, visto que “é impossível dizer para as pessoas
manterem distanciamento social num lugar de altíssima densidade”. O professor
ressalta, ainda, a dificuldade na distribuição das crianças por faixa de idade,
tornando muito difícil para um município planejar o seu sistema educacional,
porque ele não sabe direito onde estão, quantas são e em cada faixa etária e
como elas estão se transformando ao longo do tempo.
Além do orçamento enxugado, a pesquisa
censitária esbarra em outro obstáculo: o contato físico. O Censo pressupõe
logística e contato presencial muito expressivos pelo país inteiro, tornando
impossível a segurança dos agentes.
Para o professor Eduardo Marques, a pesquisa
pode ser realizada ainda em 2021, “considerando que deveríamos ter uma
vacinação em massa que traga as taxas da covid para patamares bem mais baixos”.
Ele lembra que os programas de vacinação brasileiros eram uma referência
internacional, “e hoje nós temos enormes dificuldades de produzir vacinação de
massa de forma rápida para fazer frente à pandemia, por conta da ineficiência
do governo federal até o momento”.
Embora a realização do Censo seja impedida
também pelo coronavírus, a pesquisa prevista para 2020 já havia sofrido cortes
orçamentários no começo da atual administração federal.
A decisão do relator do orçamento de 2021 na Câmara, Márcio Bittar, de
realizar um corte de praticamente todos os recursos do Censo Demográfico de
2021, para o professor, “demonstra uma falta completa de sensibilidade, uma
visão muito curta do que são políticas públicas, uma visão muito imediatista,
visto que recursos que não podem deixar de serem pagos foram cortados para
avançar em emendas parlamentares”, conclui.
Fonte: Edição
de entrevista à Rádio USP
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