Informativo
ESCOLA PRIVADA E A PEDAGOGIA DA MORTE
Por
Gilson Reis*
A pedagogia é a ciência que trata da educação
e das suas várias dimensões políticas, históricas, culturais, sociais etc. Que
estuda os problemas relacionados ao conhecimento e desenvolvimento humano e sua
relação enquanto indivíduo social inserido numa determinada sociedade.
A pedagogia tem ainda como objetivo central
estudar e construir cientificamente métodos e conhecimentos capazes de ensinar,
orientar e educar pessoas nos seus diversos processos e estágios da vida. Essa
construção percorre desde os primeiros dias de vida e se projeta para toda a
fase adulta.
Conceituar a pedagogia nesses tempos de
pandemia é necessário e, claro, pedagógico face ao negacionismo consolidado no
DNA do ultraliberalismo conservador em ascensão no último período no país. A república
da cloroquina é quem conduz as ações ou ausências de ações ao enfrentamento
sanitário e econômico provocado pelo Covid-19.
Desde os primeiros casos surgidos no Brasil
em março, setores da sociedade brasileira comandados pelo presidente Bolsonaro e
pelo ministro Paulo Guedes negam a gravidade da Covid-19 e suas consequências
para a sociedade e a economia.
O governo chega a tal grau de
irresponsabilidade que há três meses o país não tem ministro da Saúde no
comando da pasta. O país precisa de um ministro com condições técnicas, capaz
de desenvolver estratégias nacionais para reduzir os danos humanos e materiais
provocados pela doença.
Do orçamento de 48 bilhões de reais do
Ministério da Saúde para estruturar ações capazes de reverter a tragédia anunciada,
apenas 30% foram liberados para o enfrentamento à doença e a proteção da
sociedade.
O Brasil se tornou, nesses quatro meses, o
epicentro da pandemia mundial, com 2,5 milhões de infectados e 85 mil mortes
(lembrando que esses são números conforme estudos apresentados pela academia e
por especialistas, que indicam 600% de subnotificação para infectados e mortos
no período).
A atitude do presidente, a pressão do
mercado, a negação da ciência e a fragilidade organizativa da sociedade
conjugada com a situação social aprofundam ainda mais a crise humanitária e
econômica.
O Brasil sequer venceu a primeira onda da
doença e já convive com uma segunda onda, que será precedida de outras ondas
que levarão o país ao caos.
O efeito-sanfona verificado na condução do
processo de enfrentamento à Covid-19 é resultado da falta de estratégias
globais que deveriam ser desenvolvidas pelos Ministérios da Saúde e da
Economia, com o objetivo de estruturar e coordenar ações do governo federal, em
parceria com estados, municípios e sociedade civil.
Diante do caos, o que resta são espertezas,
saídas individuais, ausência de debates democráticos, atitudes arrogantes e
irresponsabilidades. Diante do caos, o que resta é o deus mercado impondo à
sociedade seu lado mais cruel e desumano. Diante do caos, o que resta é
enterrar nossos mortos e nossa insignificante vida humana. Diante do caos, o
que resta, sobretudo, é juntar nossas forças e denunciar ao mundo o genocídio
provocado pelo desgoverno federal e seus aliados de primeira hora.
Com essa força sobrenatural, nós,
trabalhadores em educação, buscamos nos colocar de forma ativa diante da crise
pandêmica. Desde o início, defendemos o isolamento social embasado em
evidências científicas. Desde o início, nos colocamos à disposição da sociedade
e das escolas para juntos — alunos, famílias e sociedade — buscarmos soluções
pedagógicas, sociais e educacionais para diminuir o impacto da descontinuidade
na formação educacional.
Desde o início, afirmamos que o universo de
55 milhões de seres humanos diretamente vinculados à educação no país
(docentes, discentes e auxiliares da educação) é um espaço muito particular por
sua natureza e pela forma como se organiza, se integra e interage no cotidiano.
Por isso, seu enorme potencial propagador do vírus e, consequentemente, da
doença.
Desde o início afirmamos que a escola e a
educação não seriam tratadas como um mero objeto de mercado, irresponsável e
assassino.
É neste contexto de mundo brutalizado e
desumanizado que o setor privado de educação inicia uma grande pressão para a
volta às aulas presenciais nas escolas privadas.
É preciso destacar que os professores e
professoras da rede privada, em sua grande maioria, mesmo sem o devido preparo
pedagógico, estrutural e tecnológico, assumiram o desafio de realizar a
educação remota para manter viva a relação de ensino e aprendizagem. Trabalhar
de forma incansável, com jornada prolongada e estressante, mantendo assim os
compromissos com a educação e a sociedade.
A posição assumida pelas escolas da rede
privada, de pressão sobre os trabalhadores e trabalhadoras para o retorno às
aulas presenciais, abrirá em perspectiva grandes batalhas jurídicas e políticas
no campo da educação e do trabalho.
Na esfera judicial prevemos, em potencial,
quatro áreas do direito que poderão ser acionadas nas demandas judiciais e nas
relações patrão/empregado.
Direito criminal, por eventuais mortes de
pessoas contaminadas direta e indiretamente a partir do espaço escolar; direito
civil, desde o acesso ao pagamento do teste para diagnóstico da doença até o
tratamento de saúde de pessoas contaminadas direta e indiretamente a partir do
espaço escolar; direito previdenciário, na medida em que houver trabalhadores
contaminados diretamente no espaço escolar que contraírem doenças crônicas e
incapacidade laboral; e direito assistencial a trabalhadores e familiares que
sofrerem prejuízos financeiros e materiais pela contaminação direta e indireta
no espaço escolar.
Neste cenário de guerra se fazem necessárias
algumas providências imediatas:
1. Isolamento social — organizar e
conscientizar nosso exército de educadores da importância de nos mantermos
entrincheirados em nossas residências, com o trabalho remoto, para evitar a
contaminação e a morte de milhares de pessoas.
2. Protocolo sanitário — transmissão do vírus
controlada; sistemas de saúde com capacidade de detectar, testar, isolar e
tratar todas as pessoas com Covid-19 e os seus contatos mais próximos; controle
de surtos em locais especiais, como instalações hospitalares, casas de idosos,
abrigos públicos etc.; medidas preventivas de controle em ambientes de
trabalho, escolas e outros lugares aonde as pessoas precisam ir; manejo
adequado de possíveis novos casos importados; comunidade informada e engajada
com as medidas de higiene e as novas normas.
3. Protocolo escolar local — as escolas,
junto com a comunidade escolar, devem elaborar um plano local de ação. O plano
deve primar por fundamentos técnicos e científicos para orientar a tomada de
decisão. Cada unidade escolar ou mesmo turmas, turnos e séries devem elaborar
planos e metas de forma diferenciada. Em nenhuma hipótese deverão existir
protocolos gerais aplicados de forma igual em espaços e realidades desiguais,
como propõem entidades sindicais patronais. Rodízios de turmas, de alunos, de
turnos; redução de número de alunos por sala de aula; alteração de entrada e
saída da escola e das turmas; mudanças nos intervalos de recreios;
monitoramento de alunos, professores e auxiliares são alguns exemplos aplicados
mundo afora que devem ser seguidos.
4. Saúde pública — exigir a indicação de um
ministro da Saúde capaz de desenvolver estratégias consistentes em parceria com
secretários estaduais e municipais de Saúde para combater a Covid-19. Além
disso, defender o SUS (Sistema Único de Saúde) e exigir a centralização de
todos os leitos de CTI públicos e privados sob a coordenação de autoridade
sanitária local para tratamento dos doentes agudos.
5. Medidas econômicas — Pressionar o governo
federal a apresentar medidas econômicas e financeiras para diminuir os impactos
na economia, ajudando as micro, pequenas e médias empresas, incluindo escolas
privadas, no enfrentamento da crise.
6. Defesa da vida — Na guerra, são dois os
principais objetivos: eliminar o inimigo e proteger a vida. Portanto, cabe-nos
combater o vírus de todas as maneiras possíveis até que cheguem as vacinas e
medicamentos terapêuticos e defender a vida das pessoas, incluindo, neste caso,
os milhões de seres humanos diretamente vinculados à educação.
Em defesa da vida! Educar é preservar a vida acima de tudo e de todos os
genocidas.
*Gilson
Reis é vereador de Belo Horizonte e coordenador-geral licenciado da
Confederação Nacional dos Trabalhadores em Estabelecimentos de Ensino —
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