Informativo
GUEDES, BOLSONARO E IMPRENSA ESCONDEM ARMADILHA DA REFORMA DA PREVIDÊNCIA
O
economista Eduardo Fagnani, professor da Unicamp, avalia que a PEC 6/2019, que
trata da reforma da Previdência, é um Cavalo de Troia; vem para retirar o
sistema de Previdência da Constituição; para depois poder alterar com menos
esforço, por lei complementar, os direitos previdenciários dos brasileiros
Por Paulo Donizetti de
Souza, da RBA - São Paulo
– A Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (CCJ) se prepara para mais um
debate sobre a Proposta de Emenda à Constituição que trata da chamada
"reforma" da Previdência (PEC 6/2019). É a segunda vez, nesta
segunda-feira (15), que o assunto vai ao colegiado. Na primeira, no último dia
3, o ministro da Economia, Paulo Guedes, compareceu ao colegiado para defender
a PEC.
Na
ocasião, esperava-se uma postura técnica qualificada, mas o que se viu das
"respostas" de Guedes aos questionamentos dos parlamentares foi uma
sequência de frases de efeito, sem amparo científico, voltadas para difundir o
medo. A imprensa brasileira, em seu papel de ajudar o governo na tarefa de
destruir o sistema público de seguridade, parece não ter assistido ao debate, e
omitiu da opinião pública a essência do que se travou durante sete horas
naquele colegiado.
A
observação é do economista Eduardo Fagnani, professor da Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp), que em entrevista à RBA analisa a conduta do ministro
Paulo Guedes, da mídia e faz uma alerta aos parlamentares: o papel da CCJ é
barrar projetos que afrontem a Carta Magna, e a PEC 6/2019 o faz de maneira
clara.
A
seguridade social estabelecida na Constituição de 1988 é o principal
instrumento que os brasileiros têm para enfrentar as situações de velhice,
doença e desemprego. Os princípios definidos na Carta Magna permitiram engendrar
nos últimos 30 anos políticas públicas que, se hoje ainda não universalizaram
os direitos à cidadania no país, pelo menos foram capazes de promover certos
níveis de inclusão, permitindo que setores significativos da população se
descolassem da miséria e da fome, que depois do golpe de 2016, com Michel Temer
assumindo a presidência, voltaram a crescer.
Atualmente,
a preocupação com a Constituição se impõe graças ao debate que vem sendo feito
em torno do projeto do governo Jair Bolsonaro (PSL). Longe de olhar para as
necessidades dos trabalhadores e trabalhadoras, mas muito perto de atender aos
anseios do mercado financeiro, que deseja atacar direitos para que o orçamento
público possa garantir ad aeternum a remuneração de títulos sobre o
endividamento do país, o governo quer atacar, com a PEC 6/2019, o pacto social
consolidado na Constituição, até mesmo retirando essas definições da Carta. Com
isso, poderá promover mudanças por lei complementar, o que significa menor
necessidade de apoio parlamentar, já que as propostas de emenda constitucional,
as PECs, necessitam da aprovação de três quintos dos deputados, ou 308 de 513
votos, enquanto leis complementares requerem 257 votos.
A
principal tarefa dessa CCJ é rechaçar a desconstitucionalização. A reforma da Previdência
de Bolsonaro não é a PEC 6, isso as pessoas têm que entender. A reforma da
Previdência de Bolsonaro é um cavalo de Troia e será, portanto, feita por
legislação complementar. A PEC 6 tem como principal tarefa desfazer o Pacto
Social de 1988, e transformar seguridade social em uma assistência social
barata, em um seguro social que será inserido no regime de capitalização. Leia
a seguir os principais trechos da análise do economista e professor da Unicamp.
GUEDES NA CCJ
Eu
assisti à audiência inteira, foram mais de sete horas, acompanhei com detalhes.
A sensação que eu tive é que eu não sei se o Paulo Guedes leu a PEC 6, porque o
que se esperava, na verdade, é que ele trouxesse questões técnicas, objetivas,
dados. Foi cobrado: em que dados estaria baseando-se? Quais projeções e
premissas está usando? Mas na verdade Paulo Guedes partiu para um confronto, às
vezes ideológico, comparando o Chile com a Venezuela e coisas desse tipo, o que
não contribui para o debate, mas, foi a tônica da cobertura da imprensa. De
outra parte, deu respostas vazias, distorceu números e fatos, empregou
meias-verdades, repetiu chavões, mantras que ele mesmo vem repetido já há algum
tempo.
Em
vez de postura técnica equilibrada, o que se viu das "respostas" de
Guedes aos questionamentos dos parlamentares foi uma sequencia de frases de
efeito, sem amparo científico, voltadas para difundir o medo, essa ideia de
"terrorismo", que "o Estado brasileiro quebrou", "é um
avião que está sem combustível e um dia cairá, sem a 'reforma' da Previdência",
que "o Brasil será um grande Rio de Janeiro". Etc. Etc. Etc.
O
terror econômico sem base científica também fica claro com a afirmação de que a
"reforma" tem de ser feita para "garantir o pagamento das atuais
aposentadorias".
Com
relação ao "gatilho" demográfico – elevação da idade mínima sempre
que a expectativa de sobrevida aos 65 anos suba um ano -, que poderá fazer com
que a idade mínima seja de 67/64 anos no início da década de 2030, Guedes
afirmou tratar-se de mecanismo para "garantir a solvência do sistema"
e que "pode ser mudado" quando a oposição voltar ao poder.
Um
desconhecimento completo da questão social e previdenciária. Completo!
O
ministro tentou defender o indefensável. Não conseguiu, se irritou, bateu boca
com deputados. Essa foi a manchete da grande imprensa, segundo a qual, os
parlamentares "desrespeitaram" o ministro. Quem assistiu à audiência
sabe que, na verdade, o ministro desrespeitou o parlamento, porque não
respondeu de forma convincente e técnica nenhuma das dezenas questões
formuladas.
Guedes
não faz a menor ideia do que é ser pobre no Brasil, do que é viver na zona
rural do Nordeste. Até teve uma deputada que perguntou para ele, "ministro
você sabe qual é o preço da carne?".
Chegou
a reproduzir um texto da PEC 6 segundo o qual o governo deixa bem claro sua
definição de "ricos" e "pobres". Chama de "ricos"
o grupo de trabalhadores do INSS que se aposentam por tempo de contribuição e
ganham, em média, R$ 2.231; e "pobres" os que se aposentam por idade
e ganham, em média R$ 1.251. Ainda, segundo o texto, os "ricos" do
Regime Geral de Previdência Social ganham quase o dobro dos "pobres".
Por diversas vezes Guedes repetiu a frase "os mais pobres se aposentam
mais tarde, quem aposenta cedo é quem mais ganha mais"!
O
"combate aos privilegiados" e a "promoção da justiça
social" também foram justificativas de Guedes, com a afirmação de que
"estamos baixando a contribuição dos mais pobres" de 8% para 7,5%.
Para ele, essa medida vai trazer benefícios para "80% da baixa renda que
ganham até dois salários mínimos". Observe-se que quem recebe salário
mínimo terá redução na alíquota de cerca de R$ 20. Entretanto, Guedes omite que
o trabalhador terá de contribuir durante um período prolongado, 40 anos, o que
acarretará maior perda de renda.
Quando
instado pelos parlamentares de que há alternativas para conseguir o
"trilhão" almejado por Guedes na "reforma" da Previdência –
reforma tributária, revisão de isenções fiscais, redução de juros, combate à
sonegação, fim dos Refis etc. – o ministro limitou-se a dizer que "tudo
tem a sua hora".
E
o outro fato que chamou a atenção é que nem sequer os parlamentares que apoiam
o governo ajudaram nesse debate. Ninguém assume a paternidade dessa reforma
porque sabe da crueldade dela.
DESINFORMAÇÃO E
CAPITALIZAÇÃO
Ele
não apresentou nenhum power point, nenhum dado, fez uma fala inicial
praticamente de improviso, repetiu todos os chavões que tem usado há muito
tempo e, na hora de dar as respostas, ele se esquivava, dava respostas vazias,
dizendo coisas que são irreais. Por exemplo, que o Brasil gasta R$ 700 bilhões
com a Previdência e R$ 70 bilhões com a Educação, que temos que cuidar dos
jovens e não dos velhos.
Ocorre
que essa informação, que ganhou manchete na mídia, é errada. Os R$ 70 bilhões
de gasto em educação, são apenas a parcela do governo federal. O ministro da
Fazenda ignora que o grosso do gasto em educação está concentrado em estados e
municípios. Nós já chegamos a gastar com educação nos três níveis de governo,
cerca de 5% ou 5,5% do gasto do PIB. O gasto do Regime Geral de Previdência
Social é de 7,5% do PIB.
O
festival de desinformação prossegue na abordagem da capitalização individual.
Desconsiderando o fracasso desse modelo no Chile e em mais de 18 países que
reestatizaram seus sistemas nos últimos anos, Guedes afirma que
"capitalização é "opcional". É mentira. Como se sabe, a ideia do
governo é criar a carteira verde amarela para os jovens entrantes no mercado de
trabalho a quem será imposta a previdência privada, sem contribuição do
empregador e do governo. Mas Guedes afirma que "os jovens vão ter
opção".
Para
ele, a capitalização individual evita a "bomba demográfica".
Entretanto, não diz uma palavra sobre a "bomba da desigualdade" que
será acionada, como demonstra a experiência internacional.
Para
o ministro, a capitalização não dará "um trilhão para Bancos" e sim
para "instituições especializadas". Num país em que a renda média dos
trabalhadores é R$ 1.200, Guedes diz que a capitalização é a
"democratização da poupança". Aponta que a desoneração da folha de
salários (empresários não contribuem) vai "gerar emprego".
Sem
enfrentar e apresentar dados sobre os "custos da transição" do regime
de repartição (atual) para o de contribuição individual, Guedes sentencia que
"o sistema atual não vai se esvaziar". Trata-se de afirmação
irresponsável que afronta o Parlamento, pois, se os trabalhadores deixam de
contribuir para o INSS e passam a contribuir para o seu plano individual o INSS
vai ser desfinanciado e quebrará pela queda das receitas.
Para
Guedes, a capitalização é um sistema perfeito, que "não tem
desvantagens". Se ela não garantir o piso do salário mínimo, "não tem
problema nenhum": basta criar o "imposto de renda negativo",
proposto por Milton Friedman. O ministro também sinalizou a adoção de outras
medidas defendidas pela Escola de Chigago, como, por exemplo, a adoção do
sistema de voucher para a educação privada.
ATAQUES À CONSTITUIÇÃO E
DESAFIOS DA CCJ
Houve
uma pressão muito forte contra mudanças na aposentadoria rural e no Benefício
de Prestação Continuada (BPC). Então, ele disse em algum momento "os
senhores estão me trazendo dados que são realmente importantes, que precisam
ser levados em conta", mas a visão dele sobre o BPC, por exemplo, é a
seguinte: é um benefício assistencial que é dado às pessoas com deficiência e
demais pessoas que não conseguiram comprovar o tempo de contribuição para a
Previdência, mas que têm por renda familiar até um quarto do salário mínimo. O
que que ele diz? "O BPC é um estímulo à não contribuição. Por que que eu
vou contribuir se o outro recebe o BPC sem contribuição?"
Guedes
argumenta que não está mexendo no BPC, está "antecipando" R$ 400
quando a pessoa tiver 60 anos de idade. E quando ela tiver 70 anos de idade,
ela vai voltar a ter o salário mínimo novamente...
O
ponto crucial da PEC/2019, entretanto, é a questão da desconstitucionalização.
O que é isso? A reforma da Previdência de Bolsonaro é composta de regras
"transitórias" até que a legislação complementar trate de tudo isso,
certo? Assim, aprova-se esse "detalhe"e com um quórum menor de
deputados modifica-se o resto.
A
PEC 6 tira tudo o que está na Constituição em relação ao regime geral, para ser
tratado por leis complementares. E coloca na Constituição o regime de
capitalização!
É
uma questão muito séria. Alguns deputados o questionaram: "Olha, isso aqui
é desprestígio ao Congresso, porque você tira da Constituição, que é para os
parlamentares tomarem conta, e passa para legislação complementar. A legislação
complementar é de iniciativa do Executivo".
Li
a PEC 6 e li mais de 30 vezes a expressão "até que a legislação
complementar trate do assunto". Então, a PEC coloca meia dúzia de
princípios gerais, mas a decisão mesmo vai ser feita por dezenas de legislações
complementares. E Paulo Guedes: "Imagina que nós estamos
desconstitucionalizando, nós estamos só estabelecendo os parâmetros, estamos só
tirando os parâmetros e definições mais gerais da Constituição para não
engessar, não vamos tirar nenhum direito, na próxima eleição vocês mudam de
novo os parâmetros".
É
mentira descarada! A PEC 6, desconstitucionaliza todo o Regime Geral de
Previdência Social e o Regime Próprio de Previdência Social e constitucionaliza
o regime de capitalização individual. E tudo será definido por lei complementar
de autoria do Poder Executivo que pode ser aprovada mais facilmente por quórum
menor de deputados.
A
principal tarefa dessa Comissão de Constituição e Justiça é rechaçar a
desconstitucionalização. Porque o que está em jogo hoje é o seguinte: o governo
Bolsonaro está acabando com o modelo de sociedade que foi pactuado em 1988,
depois de mais uma década de luta e enfrentamentos políticos, e a sociedade
decidiu ter direitos sociais e um modelo social baseado na ideia de
solidariedade. O governo está determinando que tudo isso possa ser desfeito por
dezenas de legislações complementares, sem discutir com a sociedade.
Por
isso insisto: essa "reforma" da Previdência é um cavalo de Troia.
Ninguém está querendo fazer reforma da Previdência. Ela serve apenas para que o
Pacto Social de 1988 seja desfeito.
A
entrevista com Eduardo Fagnani foi feita em duas etapas: em 4 de abril à Rádio
Brasil Atual e nesta segunda (15), ao editor da RBA.
Com informações de
brasil247.com
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