Informativo
BOLSONARO TIRA DIREITOS QUE AS MULHERES CONQUISTARAM EM DOIS SÉCULOS
Em
um primeiro momento, a sociedade não entendeu toda a dimensão das declarações
da ministra da Família, Damares Alves, em sua posse, de que “uma nova era” se
inaugurava no país, onde “menino veste azul e menina veste rosa”.
Por Jô Moraes*
Em
pleno Século XXI, a afirmação causou tamanha perplexidade que se generalizou a
especulação sobre as razões que levaram a ministra à atitude tão conservadora e
fora do contexto histórico das conquistas da população feminina.
Alguns
chegaram a considerar que as declarações histriônicas de Damares somadas às do
ministro da Educação, Ricardo Vélez, de que “brasileiro viajando é um canibal.
Rouba coisas dos hotéis” são apenas cortina de fumaça para tirar do foco a
agenda ultraliberal do governo Bolsonaro.
Sem
dúvida, há uma agenda contra o povo, em especial a da Reforma da Previdência,
que o governo tenta desesperadamente relevar sua importância e impacto. Além
disso, inexiste um plano de comunicação que defina diretrizes de informação à
sociedade.
O
presidente eleito optou por seguir a mesma práxis da campanha eleitoral,
amparando-se no humor ocasional dos frequentadores de suas redes sociais. Do
público de seu viés ideológico.
Mas é preciso estar atento aos objetivos estratégicos que as forças
obscurantistas que integram o atual governo querem implantar no Brasil. Há uma
disputa civilizatória em curso que procura “assaltar” a escola como espaço de
construção da consciência crítica e interromper a saga libertária das mulheres
de nosso país.
No
momento em que se reverencia o Dia Internacional da Mulher é importante estar
alerta para a ofensiva contra as conquistas institucionais da mulher e a
tentativa de desconstrução do seu papel transformador, confirmado no
protagonismo da luta de resistência democrática dos últimos anos.
CONQUISTAS
Nesses
quase dois séculos, desde a conquista do direito de estudar, lentamente as
brasileiras vêm experimentando uma reviravolta em suas vidas, em especial com o
aumento de sua integração no mercado de trabalho, o reconhecimento de direitos
por parte do Estado e o desenvolvimento de estudos científicos sobre suas
especificidades.
Vale
ressaltar que o processo que as mulheres vivenciam na construção de sua
emancipação é tão lento quanto é lento o desenvolvimento democrático de nosso
país.
Ao
rememorar os passos dados nas conquistas femininas no Brasil vamos encontrar
estudos acadêmicos que apresentam esse desenvolvimento de forma pedagógica:
Primeiro veio o direito de estudar obtido em 1827, para o ensino elementar e em
1879 para o ensino superior.
Sucedeu-o, o direito à participação política, começando pelo voto, em 1932,
passando pela política de cotas, em 1996, até o acesso ao financiamento
eleitoral, em 2018. O direito à autonomia civil foi concretizado com a sanção
do Estatuto da Mulher Casada, em 1962, e com a Lei do Divórcio, em 1977.
Difícil
tem sido a conquista dos direitos sexuais e reprodutivos alcançados,
parcialmente, na década de 40 com a permissão da interrupção da gravidez, em
casos de estupro e de risco de vida da mãe, e nas décadas de 80 e 90, com a
política pública de assistência integral à saúde da mulher, que criou o acesso
aos anticoncepcionais.
O
direito à vida foi alcançado, ainda que de forma limitada, com a Lei Maria da
Penha, de 2006, e com a Lei do Feminicídio, aprovada em 2015. Ambas, conquistas
do novo século.
Essa trajetória do reconhecimento institucional das particularidades da
população feminina no Brasil se deu de forma lenta, dolorosa, nos momentos de
expansão democrática e com intensa participação das mulheres.
O
golpe ocorrido em 2016, que retirou do poder a primeira presidente mulher,
desencadeou um ambiente que facilitou a acelerada perda de direitos, o desmonte
das políticas públicas e a redefinição da função pública da mulher.
A
campanha e a eleição do presidente Bolsonaro se desenvolveram a partir da
desconstrução de valores civilizatórios desfraldados já na Revolução Francesa,
como a liberdade, a igualdade e a fraternidade, instaurando-se a sociedade do
ódio, da divisão.
AMEAÇAS
As
primeiras perdas significativas sofridas pelas mulheres se deram mais
claramente durante o processo do golpe e se materializam na ofensiva
fundamentalista, desenvolvida na Câmara dos Deputados, contra os direitos
sexuais e reprodutivos, em especial nas tentativas de aprovação de projetos de
lei para anular o direito ao aborto nos casos legalmente previstos.
Registre-se
aqui que sob a presidência do Deputado Eduardo Cunha esse movimento se
fortaleceu e se apresentou de forma mais articulada.
Duras
batalhas também se deram durante os debates e a aprovação do Plano Nacional de
Educação para retirar quaisquer referências à palavra “gênero”, como uma forma
indireta de desconstruir os avanços conceituais que a luta pela igualdade entre
homens e mulheres havia alcançado.
Já
o desmonte das políticas públicas se iniciou com a Emenda Constitucional 95,
que estabelece o Teto de Gastos públicos. Iniciativa que levou à paralisia de
programas nas áreas da assistência social, saúde, de apoio às crianças, aos
idosos, aos mais pobres. Sinal claro desse desmonte foi o abandono do Pacto
Nacional pelo Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, criado em 2007, e a
drástica redução dos recursos orçamentários destinados aos programas de
proteção às vítimas.
A
eleição do presidente Bolsonaro levou ao governo – sob a forma de postos chaves
na administração como ministérios, diretorias e através do aumento da bancada
parlamentar – representantes das correntes de pensamento conservador e
obscurantista. E isso se expressa mesmo entre as mulheres que chegaram à Câmara
dos Deputados pela conquista do financiamento eleitoral.
Além
do aumento da precarização no trabalho, que amplia a informalidade das
mulheres, e do desmonte das políticas de assistência social, o governo
Bolsonaro ataca conquistas históricas do direito à aposentadoria. A diferença
no tempo de cinco anos a menos para as mulheres é o reconhecimento da dupla
jornada realizada nas funções domésticas.
O
que importa, neste momento é garantir que todas as políticas públicas
formuladas e implantadas nos últimos anos em nosso país sejam mantidas: Não ao
“Estado mínimo”!
Devemos desencadear uma ampla campanha de valorização da mulher em todos os
campos de sua atuação pública, combatendo preconceitos e reforçando seus
espaços de formação, qualificação e luta.
* Jô Moraes é feminista,
foi deputada federal e integra a Comissão Política Nacional do PCdoB
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