Informativo
Reformas de Temer são legados da escravidão, diz Ciro Gomes
“Essas
reformas são um legado escravista", afirma Ciro Gomes (PDT), ex-governador
do Ceará (1991-1994), a respeito das reformas trabalhista e da Previdência,
propostas pelo presidente golpista, Michel Temer (PMDB). "A reforma
trabalhista é um retrocesso do Brasil ao século 19 e deixa o trabalhador em uma
situação de absoluto abandono, o que é intolerável”, completa.
Por José Eduardo
Bernardes, do Brasil de Fato
Ciro
participou, na manhã desta terça-feira (18), da reunião nacional da Frente
Brasil Popular — organização que reúne movimentos populares, centrais sindicais
e partidos políticos —, em São Paulo, ao lado de Alexandre Padilha, ex-ministro
da Saúde (2011-2014) e vice-presidente do Partido dos Trabalhadores, e do
senador João Capiberibe (PSB-AP).
Em
entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Ciro explicou que “nenhuma nação pode
prosperar impondo à sua força de trabalho insegurança jurídica e
econômica”.
Ao
analisar a conjuntura política nacional, o pedetista falou sobre um projeto
para o país, eleições diretas, sua possível candidatura ao pleito de 2018 e a
condenação daquele que pode ser um dos candidatos que disputarão ao seu lado as
próximas eleições à presidência do país.
Ex-ministro
da Integração Nacional no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva,
entre 2003 e 2006, Ciro destacou que a condenação do petista pelo juiz de
primeira instância Sergio Moro, acusado de lavagem de dinheiro e corrupção
passiva, no caso do triplex do Guarujá, no litoral sul de São Paulo, “é muito
frágil”.
Segundo
Ciro Gomes, é preciso que Lula “tenha a presunção da inocência garantida e que
o devido processo legal seja assegurado. A gente cobra da magistratura que a
sentença se lastreie em provas cabais, definitivas”, ressaltou.
Antes
das eleições em 2018, no entanto, existe ainda a possiblidade de que o
presidente golpista, Michel Temer (PMDB), seja retirado do poder em razão de
uma denúncia da Procuradoria Geral da República que poderá ser investigada se a
Cãmara dos Deputados autorizar. Temer é acusado de corrupção passiva. No caso
de eleições diretas, Ciro afirma que elas representam “uma reafirmação do nosso
compromisso popular”.
“Só
a mão do povo tem o condão de resolver essa crise, essa agonia dos poderes
constituídos brasileiros, empalmados por uma quadrilha de salafrários”. Para o
ex-ministro, no entanto, “é muito improvável que esse Congresso golpista,
corrupto e fisiológico por sua imensa maioria, devolva ao povo o monopólio de
poder que hoje ele tem na mão”.
Sobre
as eleições de 2018, Ciro Gomes afirmou que sua candidatura depende do
entendimento do Partido Democrático Trabalhista (PDT), do qual é filiado desde
2015, sobre apoiar candidaturas, ou mesmo manter um candidato próprio, mas
mantém o desejo de concorrer ao pleito. “Apoiei o Partido dos Trabalhadores em
2002, 2006, 2010 e 2014; acho que agora é hora de me colocar”.
CONFIRA ALGUNS TRECHOS
DA ENTREVISTA:
A
primeira pergunta é sobre as reformas. A trabalhista já passou no Senado e a da
Previdência segue sendo uma ameaça.
Na
reforma da Previdência, nós brasileiros estamos ganhando a parada. Graças ao
êxito daquela greve no fim de abril, acredito que nós tenhamos vencido essa
batalha, o que não nos permite baixar a atenção e as armas. É preciso seguir
mobilizado. Essas reformas são um legado escravista. Assim como a luta pela
terra, que nunca foi pública e ainda tem heranças das capitanias hereditárias.
A
reforma trabalhista é um retrocesso do Brasil ao século 19, especialmente em um
momento em que o Brasil tem 14,3 milhões de pessoas desempregadas e há uma
crise do sindicalismo brasileiro, de diversas naturezas, parte delas inclusive
de corrupção de amplos setores sindicais. Ela deixa o trabalhador brasileiro em
uma situação de absoluto abandono, o que é intolerável.
Porque
nenhuma nação prospera impondo à sua força de trabalho insegurança jurídica e
insegurança econômica. Essa política estúpida de [Michel] Temer e [Henrique]
Meirelles é para ganhar a confiança dos agentes internacionais, que viriam em
nosso socorro para nos salvar.
Ainda
há esperanças de barrar essa reforma?
A
reforma trabalhista revelará tal inconsistência, tal selvageria, que predisporá
à sociedade brasileira em um novo governo, obviamente dependendo da correlação
de forças, que eu acho que será favorável, de que isso é uma selva que não pode
prosperar em um país que pretenda modernidade como nosso.
O
momento é fecundo, por mais desastrado que seja o que estamos passando. A crise
tem uma pedagogia muito fecunda.
Como
você avalia um possível cenário de eleições diretas?
Eu
estou comprometido com essa tese e isso representa uma reafirmação do nosso
compromisso popular. Acreditamos fortemente que só a mão do povo tem o condão
de resolver essa crise, essa agonia dos poderes constituídos brasileiros,
empalmados por uma quadrilha de golpistas e de salafrários.
Porém,
eu tenho muita dúvida e muita dificuldade de afirmar isso para o povo, porque
como eu sou uma pessoa vivida e experiente, eu faço uma pergunta a mim mesmo:
Em nome de quê esse Congresso golpista, corrupto e fisiológico por sua imensa
maioria, vai devolver ao povo o monopólio de poder que hoje ele tem na mão? É
muito improvável.
Você
comentou sobre esse ser um momento fecundo para construir um novo projeto. Qual
seria esse projeto e de onde ele viria?
Um
projeto nacional de desenvolvimento para cativar o povo. As pessoas que estão
nas ruas, fazendo biscates, vendendo mercadorias, as pessoas que estão sofrendo
nos hospitais, estão querendo ouvir alguma coisa e a culpa é nossa. Antes do
enfrentamento eleitoral de 2018, nós temos um tempo precioso para a construção
de um projeto.
Eu
participo com minha vivência, com minha experiência, mas é preciso que se
construa isso com muitas mãos. Porque o projeto tem algumas obviedades. Se o
Brasil hoje está impedido de crescer, como penso eu, são três fatores,
resumidamente: um fator é o endividamento explosivo do setor privado. As
empresas brasileiras estão descapitalizadas e não sairá daí um centavo para
sustentar o desenvolvimento que nós precisamos; de outro lado, as finanças
públicas estão colapsadas. Você tem um momento em que o que está orçado para
investir esse ano não chega a 1,6% do PIB; e por terceiro, no Brasil, qualquer
experiência de crescimento, medíocre que seja, como aconteceu em menos de 2% em
2013, apresenta um desequilíbrio monstruoso nas nossas contas com o
estrangeiro, derivado de um fato, que por anos a fio, nós nos prostramos ao
mito neoliberal, abrimos mão de um projeto nacional e nosso modo moderno de
vivência consome coisas que são globalizadas, importadas do estrangeiro.
Se
isso tudo for verdade, o projeto tem que se basear em uma ideia de afirmar
objetivos nacionais, globais, permanentes, afirmar a partir daí, coerente com
isso, objetivos intermediários, objetivos táticos, estabelecer prazos, metas,
que isso é planejamento. Hoje o Brasil vive da mão para a boca, administrando
crises, apagando fogo.
Então
você afirma que nós queremos ser, em 10 anos, o país que vai ter 40% da sua
população de 18 a 25 anos na universidade. Quanto custa isso, qual é o prazo de
execução, quem vai fazer o que, de onde vem o dinheiro? E aí buscar os
mecanismos para que isso se traduza.
E
o grande eixo motriz desse projeto é um processo de interrupção da
desindustrialização que está acelerando no país, e uma retomada de um esforço
industrial de grande portes, o que não nos inibe das outras tantas tarefas. Mas
o complexo industrial de óleo e gás, complexo industrial do agronegócio, o
complexo industrial da defesa e o complexo industrial da saúde, esses quatro
grandes blocos industriais, que tem uma força e que o dinheiro já existe.
Como
seria esse financiamento?
A
questão do financiamento, você tem reservas cambiais, você tem o banco dos
Brics [grupo formado por Brasil, Índia, China e África do Sul], você tem uma
série de alternativas, mas basicamente, nós precisamos conquistar as finanças
nacionais brasileiras, não na direção do que está sendo feito, mas com um
modelo de tributos que passe a cobrar mais de quem pode pagar mais e diminua os
tributos sobre quem pode pagar menos.
Porque
hoje a carga tributária que pesa sobre os trabalhadores brasileiros e sobre a
pequena classe média, que não tem renda para ganhar nos juros, é 42%. E as
pessoas sequer tem consciência do que está contribuindo, porque está embutido
em 30% da alíquota do telefone celular, está embutido em 30% da conta de
energia, está embutido em 35% da conta de água e saneamento, está embutido no
preço da comida, dos remédios, enfim. Nem sequer o cidadão tem direito de saber
quanto está pagando.
Enquanto
isso, se você pegar a montanha de dinheiro que se paga para os Barões do
Brasil, via rentismo, e descontar da carga tributária nominal que já é muito
precária, não chega a 12% da carga que pesa sobre os ricos do Brasil. Para se
ter clareza, o Ceará cobra 8% sobre as heranças das grandes fortunas. Aqui em
São Paulo, no Rio de Janeiro, em Minas Gerais, no Rio Grande do Sul, cobram 4%.
E nos Estados Unidos, cobra-se 30%, 35%, 40%. O Brasil é um dos dois países do
mundo que não cobra tributos sobre lucros e dividendos das empresas. E qual é a
razão para isso?
Temos
uma infraestrutura de imposto de renda extremamente regressiva, em que você tem
alíquotas pequenas. Quando você podia diminuir as alíquotas para a pequena
classe média e para os assalariados, que são os maiores salários da classe
trabalhadora, e aumentar as alíquotas dos rendimentos maiores, 35% lá em cima e
10% cá embaixo, alargando a faixa de cobrança.
O
Brasil tem margem, tem condição. O grande problema nosso é a formulação
política dessa estratégia.
Você
também comentou que as pessoas precisam ouvir esse projeto. Isso viria da boca
de um candidato, você por exemplo, ou outro candidato qualquer para as próximas
eleições, ou surgiria de uma frente ampla, como algumas organizações têm
cogitado?
Esse
projeto e somente ele, tem a força de criar uma frente ampla. Ao contrário do
que se propõe, não é uma frente ampla que produz o projeto, isso nunca foi
assim. Na prática da humanidade, o projeto define as forças políticas que se
identificam com ele, se coesionam com ele.
Eu
penso que esse momento é muito fecundo para reunir os interesses de um
empreendedor nacional, porque o Brasil está quebrando, está se
desindustrializando. É preciso lecionar que, quando você tem um juros alto
desse jeito, o empreendedor na empresa perde, mas na pessoa física ganha no
juros. Aí ele fica esquizofrenicamente conservador.
Por
isso, a agenda de fragilizar os salários, fragilizar a carga tributária,
fragilizar o sistema previdenciário. Se você traz essa taxa de juros para uma
rentabilidade abaixo da rentabilidade média dos negócios, você, no concreto,
cria alternativas entre quem trabalha e produz. Porque os salários serão a
massa que vai dar a escala da economia.
Sobre
a condenação do Lula?
Eu
não quero entrar nessa algazarra que está aí e o Lula reina nisso. É preciso
que ele tenha a presunção da inocência garantida, é preciso que o devido
processo legal seja assegurado e é preciso que a gente cobre da magistratura
que a sentença se lastreie em provas cabais, definitivas. Porque no estado de
direito democrático, mesmo culpado, se não houver prova, a dúvida é pró réu.
Portanto, a sentença é muito frágil.
Agora,
é preciso, pelo menos enquanto a gente não vira uma selva, uma anarquia
absoluta, que o caminho seja não propriamente a confrontação retórica e
politiquera disso aí. É preciso acessar as instâncias superiores da Justiça,
acreditar que elas vão funcionar, ainda que a gente tenha distorções as mais
graves, que é de classe no Brasil. Fora disso é a selva, é a barbárie.
Você
também comentou sobre o conservadorismo e o poder que surge com as igrejas
neopentecostais. Como surge essa força e como compreendê-la?
A
sociedade tem se tornado conservadora e ela é neopentecostal não pela
religiosidade, mas em busca de convívio social, em busca de serviços que o
Estado não fornece.
É
muito importante esse fenômeno, a esquerda tradicional precisa entender. Em
matéria de costumes, estamos ficando muito conservadores. Mas em matéria de
visão de nação, de visão de mundo, de posição da pessoa em relação ao drama
econômico, eles têm uma cultura de autoajuda, que é relevante, que é muito
importante e basicamente é porque o Estado não tem dado respostas ao povo.
Especialmente a essa massa de empreendedores pequenos e médios, que trabalha
junto com o empregado e que vê o Estado como um barulho, um ruído, uma coisa
mal cheirosa, cara, ineficiente e que não lhe dá nada em troca daquilo que ele
produz e trabalha.
Por
isso que ele gerou esse rancor com o Estado e com a sua linguagem de que é a
política. Cabe a nós, remontar o Estado, reconhecer essa falha e ir ao encontro
desses brasileiros e dar a eles o que eles precisam: crédito, capacitação
gerencial, acesso ao comércio exterior, às compras governamentais, enfim. E
eles serão progressistas se a gente não cometer a burrice de empurrar ele para
a direita.
Mais
uma vez Ciro, como será a campanha de 2018?
Vamos
ver o que planeja Deus. Apoiei o Partido dos Trabalhadores em 2002, 2006, 2010
e 2014, acho que agora é hora de me colocar. Mas a candidatura é do PDT. Se o
partido decidir que terá uma candidatura própria, estou aqui, mas se decidir
que vai apoiar outras candidaturas, tudo bem também.
Fonte: Brasil de Fato Edição:
Vanessa Martina Silva (Brasil de Fato) | Foto: Guilherme Santos/Sul21
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