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23/06/2021

EDITORIAL DO VERMELHO: UM PRESIDENTE CONTRA A IMPRENSA E A DEMOCRACIA

Os novos ataques de Jair Bolsonaro a profissionais, veículos e empresas de comunicação impõem, em definitivo, um dilema ético à grande mídia brasileira: até quando tolerar um presidente que, a despeito da agenda econômica afinada com os interesses empresariais, é uma ameaça crescente à liberdade de imprensa e ao Estado Democrático de Direito?

Dirigindo-se covardemente a uma afiliada da Globo na região do Vale do Paraíba (SP), Bolsonaro elevou o tom. “Cala a boca! Vocês são uns canalhas – vocês fazem um jornalismo canalha, que não ajuda em nada. Vocês não prestam”, esbravejou. “Você tinha que ter vergonha na cara por prestar um serviço porco desse que você faz na Rede Globo.”

Não é de hoje que Bolsonaro agride a imprensa, recorrendo a mentiras, ofensas, difamações e injúrias, como ocorreu, na segunda-feira (21), com a jornalista Laurene Santos, da TV Vanguarda, em Guaratinguetá (SP). Seus sete mandatos como deputado federal pelo Rio de Janeiro, entre 1991 e 2018, foram marcados não apenas pela irrelevância parlamentar e pela escassez de projetos. Nas poucas aparições no plenário da Câmara, disparou insultos e falsidades contra diversas instituições – entre as quais, a imprensa.

A partir dos anos 2000, ainda que hostil às emissoras em geral, Bolsonaro soube se aproveitar dos espaços em programas de humor e talk shows para propagar ódios e se firmar como referência de uma extrema-direita abertamente racista, misógina e homofóbica.

Vale notar que, com tamanha promoção, a votação de Bolsonaro cresceu a cada nova eleição à Câmara – de 88.945 votos, em 2002, chegou a 464.572, em 2014. Naturalmente, não foram os programas humorísticos que o levaram à vitória na eleição presidencial de 2018. Mas, com tamanha promoção gratuita, a TV ajudou a turbinar a imagem bolsonarista.

Como o norte-americano Donald Trump, eleito presidente dos Estados Unidos em 2016, Bolsonaro usou a mídia como uma alavanca extraordinária para sua projeção – ou para aquilo que se convém chamar, no marketing político, de “posicionamento”. Realçado pela TV, multiplicado pelas redes, o bolsonarismo se estruturou.

Ademais, na campanha presidencial de 2018, a pretexto de evitar mais uma vitória da esquerda, a grande mídia não escondeu a preferência – para dizer o mínimo – pela candidatura conservadora. Não se tratava de um “candidato dos sonhos”, um representante genuíno e domável. Era o nome possível!

Além de se mostrar cada vez mais competitivo na disputa, Bolsonaro tinha como trunfo o economista Paulo Guedes. Para regozijo dos grandes empresários da comunicação, pela primeira vez um presidenciável com chances de vitória assumia, sem meias palavras, uma plataforma ultraliberal. A grande mídia não escondeu a sedução pelo discurso de Guedes, a quem ainda era prometida uma plena autonomia.

No entanto, o autoritarismo do outrora deputado e futuro presidente estava às claras em plena campanha. Levantamento feito pela Folha de S.Paulo, logo após o segundo turno, contabilizou 129 ataques de Bolsonaro à imprensa ao longo de 2018. Segundo o jornal, foram “39 acusações de falsidade e 38 denúncias de partidarismo dirigidas a veículos de comunicação e jornalistas específicos, além de 49 mensagens genéricas” para “estimular o descrédito na imprensa”.

No primeiro turno, segundo a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), houve 137 agressões ou ameaças a jornalistas que cobriam a eleição. Já nas horas que se seguiram ao anúncio da vitória de Bolsonaro, “ao menos nove jornalistas foram intimidados ou agredidos fisicamente” por “apoiadores do candidato eleito”.

Ainda mais empoderado após a chegada ao Planalto, Bolsonaro dobrou a aposta. Já presidente, ele atacou profissionais e veículos de comunicação, ameaçou censurar e perseguir parte da grande mídia, fez acusações sem provas contra diversas empresas do setor e promoveu uma campanha difamatória contra o jornalismo profissional. Segundo a Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), 2020 foi o ano mais violento para os jornalistas brasileiros. O Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa no Brasil, elaborado pela entidade, lista 428 casos de ataques e violações.

“Esse crescimento está diretamente ligado ao bolsonarismo. Houve um acréscimo não só de ataques gerais – mas de ataques por parte desse grupo que agride como forma de controle da informação”, declarou a presidenta da Fenaj, Maria José Braga. De acordo com ela, essas ações “ocorrem para descredibilizar a imprensa para que parte da população continue se informando nas bolhas bolsonaristas, lugares de propagação de informações falsas e ou fraudulentas”.

É fato que a cobertura ao governo Bolsonaro está mais crítica – e cabe dizer que há um precedente histórico ao qual se pode recorrer. Há 57 anos, sob o pretexto de combater uma suposta ameaça de ditadura comunista ou “república sindical” no Brasil, a grande mídia foi uma das instituições que aderiram de pronto ao Golpe de 64 e à subsequente ditadura militar (1964-1985). Mas, por diversos razões e em diferentes momentos, essa mesma imprensa se descolou do regime – e hoje o denuncia como um retrocesso.

Estadão não se cansa de lembrar que, em protesto, publicou versos dos Lusíadas, de Luís de Camões, no lugar de suas mais de 1.100 matérias vetadas por “risco à segurança nacional”. A Folha de S.Paulo, nos estertores da ditadura, abraçou a campanha pela volta da democracia, vendeu a imagem de “jornal das Diretas” e se tornou o diário mais lido do País.

No caso da Globo, foi em 2013 que, sob o impacto das “Jornadas de Junho”, a empresa reconheceu ter errado no “apoio editorial” ao Golpe de 64, bem como em outras “decisões editoriais que decorreram desse desacerto original”. Na ocasião da autocrítica, as Organizações Globo afirmavam: “A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela só pode ser salva por si mesma”.

Sejam quais forem os pretextos que levaram a imprensa a um mea-culpa geral, é louvável que, 31 anos após o fim do regime militar, os “jornalões” – como os chamavam Alberto Dines – condenem o mais longo ciclo autoritário vivido do País no século 21. Não falta à grande mídia, pois, a convicção histórica de que o esvaziamento da democracia ameaça jornalistas, veículos e a própria liberdade de imprensa. É tempo de barrar Bolsonaro e o autoritarismo. Que a imprensa brasileira aceite, o mais rápido possível, essa nova missão!

Fonte: Portal Vermelho

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