Informativo
CONVERSA ENTRE PROCURADORES DA “LAVA JATO” MOSTRA USO ESTRATÉGICO DE VAZAMENTOS
Por
Sérgio Rodas, correspondente da Conjur no RJ
Conversa entre procuradores da força-tarefa
da “lava jato” mostra como eles usavam vazamentos para aumentar a pressão
contra investigados na operação.
A informação consta de uma troca de mensagens
entre procuradores à qual a ConJur teve acesso. O diálogo faz parte do material
apreendido pela Polícia Federal no curso da chamada operação “spoofing”, que
mira hackers responsáveis por invadir celulares de autoridades.
Em 5 de março de 2016, um dia após o
ex-presidente Lula ter sido conduzido coercitivamente para depor na Polícia
Federal por ordem do então juiz Sergio Moro, procuradores discutem em grupo de
mensagens a redação de uma nota da força-tarefa da “lava jato” explicando que a
medida era necessária, uma vez que o petista foi intimado, mas se recusou a comparecer
a um posto da PF.
No debate, o chefe da força-tarefa, Deltan
Dallagnol, sugere argumentar que, se a ordem não foi executada, Lula foi
voluntariamente depor, e não houve condução coercitiva.
“Vcs sabem se a condução ontem foi executada
ou se ele foi voluntariamente? Não consegui falar com Luciano [Flores, delegado
da PF]. Se foi voluntariamente, não tem do que reclamar. Se não foi, ele mentiu
que sempre está à disposição pra depor. Poderia fazer o raciocínio: se ele
disse ontem que sempre se dispôs a depor, então sequer houve condução
coercitiva… mas tenho receio de suscitar novas críticas quanto ao ambiente de
coação. Acho vou colocar nas entrelinhas”, diz Dallagnol.
A ConJur manteve as abreviações e eventuais
erros de digitação e ortografia presentes nas mensagens.
O procurador Andrey Borges de Mendonça
desaprova a ideia. “Não gosto do raciocínio. Acho que parece entender que ele
[Lula] tinha opção. E ele não tinha. Cuidado.”
Deltan Dallagnol enviou rascunho da nota para
análise de Vladimir Netto, o repórter da TV Globo e filho da jornalista Mirian
Leitão que, em junho de 2016, lançaria o livro Lava Jato: o juiz Sergio Moro e
os bastidores da operação que abalou o Brasil (Primeira Pessoa). O jornalista
diz a Dallagnol, segundo o relato deste, que não valeria a pena soltar uma
nota, a não ser que fosse “para não deixar Moro sozinho”. “A nota é pra acalmar
e não comprar briga” foi o conselho de Netto, conforme o procurador.
“Mas ele [Netto] acha que teria que ser
muuuuito serena pq estamos mais expostos do que o Moro na avaliação dele”,
conta Dallagnol. Mendonça apoia a intenção: “Por mim, soltamos pq não deixo
amigo apanhando sozinho rs. Independentemente de resultado, soltaria por
solidariedade ao Moro”.
Após chegarem a um acordo sobre a redação da
nota e a enviarem à imprensa, o procurador Athayde Ribeiro Costa avisa os
colegas que o Jornal Nacional, da TV Globo, noticiou o posicionamento da
força-tarefa da “lava jato”.
O procurador Orlando Martello comenta que, se
continuasse a escalada contra a operação, a solução seria vazar conversas
interceptadas de Lula.
“Se a escalada continuar, a solução é soltar
os áudios, cf sugerido por CF [Mendonça]. Aí jogamos problema no colo deles,
com algumas maldades (pq lula usa cel de terceiros!; proximidade de lula e JW
[Jaques Wagner, então ministro da Casa Civil], bem como JW responsável pela
nomeação do novo ministro; convocação de deputados; movimentos sociais, etc.”
Em resposta, Mendonça diz que o vazamento das
gravações “é nossa carta na manga”. “Mas é preciso que seja com autorização
judicial. E talvez haja problemas”, ressalta. O procurador Paulo Roberto Galvão
de Carvalho então lembra que já haviam feito consultas sobre a liberação dos
áudios, mas elas foram negadas.
DIVULGAÇÃO
DE GRAMPOS
Em 16 de março de 2016, Sergio Moro divulgou
conversas telefônicas de Lula, recém-empossado ministro da Casa Civil, com a
então presidente Dilma Rousseff e outros políticos.
Na semana seguinte, o ministro do Supremo
Tribunal Federal Teori Zavaski — que morreu em acidente aéreo em 2017 — afirmou
que o fim do sigilo dos grampos foi ilegal e inconstitucional. Primeiro porque
foi o resultado de uma decisão de primeiro grau a respeito de fatos envolvendo
réus com prerrogativa de foro no Supremo. Depois porque, ao divulgar o conteúdo
dos grampos, Moro violou o direito constitucional à garantia de sigilo dos
envolvidos nas conversas.
No dia da divulgação dos áudios, os
procuradores discutiram se o ato de Moro era legal ou não. Afinal, o diálogo
entre Lula e Dilma foi captado após o juiz federal ter enviado comunicados às
operadoras de telecomunicações pedindo a suspensão dos grampos. O procurador
Januário Paulo classifica a medida como “filigrana”. “Quem decide o que vai
para os autos é o juiz. Se ele podia interromper também pode mandar juntar aos
autos e validar.”
Andrey Mendonça discorda. “Januario,
desculpe, eu nao vejo assim. Isso esta longe de ser filigrama na minha visão.
Se ele suspendeu a interc[eptação], juridicamente nada vale dps. Eu espero q
vcs estejam certos, mas nao eh tao tranquilo assim.”
Deltan Dallagol então intervém: “Andrey No
mundo jurídico concordo com Vc, é relevante. Mas a questão jurídica é filigrana
dentro do contexto maior que é político”. “Concordo Deltan. Isso tera q ser
enfrentado muito em breve no mundo juridico. O estrago porem esta feito. E mto
bem feito”, responde Mendonça.
Dois dias depois, em 18 de março, o ministro
do STF Gilmar Mendes cassou a nomeação de Lula como chefe da Casa Civil. No
embalo da decisão, os procuradores discutem se é hora de pedir a prisão de Lula
e apresentar denúncia contra ele. Para Roberson Pozzobon, não faz diferença se
a captação da conversa foi ilegal ou não. Afinal, a própria Dilma tinha
admitido o diálogo.
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