Informativo
ECONOMISTAS CRITICAM REFORMA ADMINISTRATIVA DE BOLSONARO E GUEDES
A
Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) divulgou nessa
quarta-feira (16) uma nota técnica com críticas à reforma administrativa,
apresentada sob a forma de Proposta de Emenda à Constituição (PEC) pela equipe
econômica do presidente da República, Jair Bolsonaro.
Na
avaliação da ABED, a reforma não resolve os problemas reais do setor público
brasileiro e cria ou piora outros.
“Ela
parte do pressuposto equivocado de que o péssimo desempenho econômico do país
se deve quase exclusivamente aos salários de servidores públicos”, ressaltam os
economistas.
Segundo
eles, para sustentar esse argumento o governo “distorce e sonega informações,
tal como ocorrera com as reformas trabalhista e previdenciária, sem que nenhum
resultado positivo ou prognóstico do governo e da grande mídia tenham até o
momento se realizado”.
Confira
a íntegra do documento:
A
Associação Brasileira de Economistas pela Democracia (ABED) é uma organização
sem fins lucrativos e suprapartidária, que atua para construir um projeto de
desenvolvimento para o Brasil sustentável, dinâmico e inclusivo, voltado para a
redução das desigualdades sociais e regionais, eliminação da fome e da pobreza,
respeito ao meio ambiente e aos direitos da cidadania, assim como para a
valorização da cultura e da identidade e soberania nacional.
A ABED
DF vem a público se manifestar contra a proposta de reforma administrativa que
o governo federal apresentou à sociedade brasileira por meio da PEC 32/2020.
Ela parte do pressuposto equivocado de que o péssimo desempenho econômico do
país se deve quase exclusivamente aos salários de servidores públicos.
Para
sustentar esse argumento falacioso, distorce e sonega informações, tal como
ocorrera com as reformas trabalhista e previdenciária, sem que nenhum resultado
positivo ou prognóstico do governo e da grande mídia tenham até o momento se
realizado.
No que
diz respeito à proposta da equipe do governo Bolsonaro, há ao menos três
aspectos negativos que precisam ser destacados:
1. A
proposta prevê o fim do Regime Jurídico Único para novos contratados, exceção
feita àqueles que ingressarem nas chamadas carreiras típicas de Estado, as
quais tampouco estão definidas na PEC, reforçando a ideia de que esse conceito
já está, em si mesmo, ultrapassado; afinal, o que seria mais típico de Estado
no atual contexto pandêmico que as carreiras das áreas de saúde, assistência
social, educação e meio-ambiente? Para as demais formas de contratação
alinhavadas na PEC, prevê-se o fim da estabilidade funcional dos servidores nos
respectivos cargos públicos, introduzindo-se, a partir de então, problemas
notórios de assédio moral e institucional contra funcionários e organizações,
riscos de fragmentação e descontinuidade das políticas públicas de caráter
permanente e aumento da incerteza da população e mesmo dos empresários com
relação à qualidade, tempestividade e cobertura social e territorial das
entregas de bens e serviços por parte do Estado.
2. A
proposta prevê a explicitação – com sua respectiva priorização – do princípio
da subsidiariedade, por meio do qual inverter-se-á o espírito original da
Constituição Federal de 1988, fazendo com que o Estado atue de forma
subsidiária, coadjuvante – poderíamos dizer, subalterna – aos setores
empresariais privados na provisão de bens e serviços à sociedade. O Estado
auxiliaria e supriria a iniciativa privada em suas deficiências e carências, só
a substituindo excepcionalmente. A atuação do Estado seria a exceção, não a
regra. Se aprovada, esta proposta reforçará sobremaneira os vetores de exclusão,
desigualdades, pobreza e heterogeneidades já presentes em larga escala na
realidade brasileira.
3. A
proposta prevê a criação de super poderes ao presidente da República, ao
transferir para seu raio de discricionaridades as decisões (unilaterais) sobre
criação ou destruição de organizações, carreiras e cargos no âmbito da
administração pública federal. Obviamente, esta medida, em si mesma
antirrepublicana e antidemocrática, reforçará os traços
patrimoniais-oligárquicos da cultura política tecnocrática e autoritária
brasileira, que de modo lento, mas correto, estava sendo transformada desde a
Constituição de 1988 pela ampliação da transparência e da participação cidadã
no trato da coisa pública.
O fato
é que são pífias ou inexistentes as preocupações do governo Bolsonaro com o
desempenho governamental ou com a melhoria das condições de vida da população
brasileira. Travestida de reforma administrativa, trata-se na verdade de mais
uma medida de ajuste fiscal.
O
Brasil não possui número excessivo de servidores públicos
Contra
o argumento oficial que busca justificar a reforma administrativa, faz–se
mister ressaltar que não há número excessivo de servidores no Brasil. Dados do
Banco Mundial revelam que a razão entre a quantidade de funcionários públicos e
a população no país é de apenas 5,6%. Essa proporção é um pouco maior que a
média da América Latina, de 4,4%, mas menor que a média da OCDE, que é de
aproximadamente 10%.
Como
proporção da população economicamente ativa, e considerando uma série de dados
de 1992 a 2017, verifica-se que o percentual de vínculos públicos passou de 9%
a tão somente 11% do total, desautorizando interpretações que insistem em
destacar um movimento explosivo do emprego público no Brasil.
A
esfera federal representa apenas 12% do funcionalismo público total do país.
Significa que a expansão dos vínculos públicos se concentrou essencialmente em
âmbito municipal. Entre 1986 e 2017, os vínculos públicos passaram de 1,7
milhão para 6,5 milhões nos municípios; de 2,4 milhões para 3,7 milhões nos
estados e de pouco menos de 1 milhão para apenas 1,2 milhão no nível federal,
considerando servidores civis e militares.
Aumentam
escolarização e qualificação dos funcionários públicos
Dados
oficiais mostram que a força de trabalho ocupada no setor público brasileiro se
escolarizou e se profissionalizou para o desempenho de suas funções. A expansão
ocorreu com vínculos públicos que possuem nível superior completo de formação,
que passaram de pouco mais de 900 mil para 5,3 milhões, de 1986 a 2017. Percentualmente,
este nível saltou de 19% do contingente de vínculos em 1986 para 47% em 2017.
Nos
municípios, a tendência de aumento de escolarização foi também bastante
acentuada. A escolaridade superior completa aumentou de 10% para 40% entre 1986
e 2017. Nesse nível federativo, chama atenção as ocupações que constituem o
núcleo dos serviços de assistência social, saúde e educação (tais como
professores, médicos, enfermeiros e agentes de assistência e saúde), que
correspondem atualmente a 40% do total dos vínculos públicos existentes no
Brasil, razão essa suficiente para desaconselhar qualquer reforma
administrativa que objetive reduzir ou precarizar essas ocupações.
O
Judiciário é quem melhor remunera
Ao
analisar os rendimentos do conjunto do Poder Executivo, observa-se que sua
remuneração média mensal, considerando os três níveis federativos, aumentou em
termos reais, de R$ 3,3 mil em 1986 para R$ 3,9 mil em 2017, o que representa
um aumento médio real de 0,56% ao ano e aumento real acumulado de apenas 17% em
30 anos.
Por sua
vez, a remuneração média mensal para o conjunto do Poder Judiciário, nos níveis
federal e estadual, aumentou de R$ 6,6 mil para R$ 12 mil, no mesmo período. O
crescimento médio anual real foi de 2,1% e o crescimento real acumulado foi de
82%, o maior de todos os três poderes da União.
O mito
das distorções entre setores público e privado
Importante
registrar que quando comparadas as remunerações do Poder Executivo municipal
com as remunerações do setor privado nacional, constata-se que setores público
e privado apresentam remunerações equivalentes. De acordo com o IBGE, a
remuneração média do trabalho principal no setor privado nacional foi da ordem
de R$ 2,1 mil em 2018. No nível Municipal, a remuneração mensal média dos
funcionários públicos é de R$ 2,9 mil, o que representou crescimento médio de
1,2% ao ano e aumento real acumulado de apenas 45% entre 1986 e 2017 para o
conjunto das remunerações dos poderes executivo e legislativo nesse nível.
Esta
constatação demonstra que estão metodologicamente equivocadas as comparações
genéricas recorrentemente feitas por organismos internacionais, grande mídia e
até mesmo pela área econômica do governo federal, acerca da suposta
discrepância radical entre remunerações do setor público e privado no Brasil.
A
necessidade de proteger o funcionário público da pressão política e do assédio
Diante
do anterior, deve-se ter presente as particularidades e, em grande medida, a
insubstitutibilidade do emprego público pelo emprego privado na grande maioria
das situações e ocupações que envolvem a formulação, implementação, gestão,
fiscalização, controle e avaliação das políticas públicas. Daí que a própria
estabilidade funcional dos servidores públicos, por exemplo, presente em boa
parte das democracias no mundo, assegura a independência dos funcionários
frente à pressão política, garante a continuidade intergeracional na prestação
dos serviços e permite o planejamento das carreiras públicas e a sua
profissionalização permanente ao longo do tempo.
Por um
Estado eficaz, inclusivo e democrático
Por
todas essas razões, a ABED DF vem a público manifestar-se contra a proposta de
reforma administrativa apresentada pelo governo Bolsonaro. Há, sem dúvida,
enorme necessidade de melhoria da prestação de serviços públicos no país. Os
problemas existem e não são poucos, estando localizados em formas de organização
e de funcionamento da administração pública que frequentemente privilegiam
relações pouco republicanas, pouco democráticas e bastante seletivas do Estado
com agentes do mercado e que excluem parcelas imensas da população, ainda hoje
alijadas da cidadania plena e dos direitos humanos, econômicos, sociais,
culturais e ambientais.
Para
que o Brasil cresça de forma sustentada, enfrentando sua enorme dívida social e
ambiental, é preciso que o governo seja capaz de implementar políticas
públicas, não somente aumentando a cobertura social e territorial, como
aprimorando a qualidade dos serviços prestados. Para tanto, o papel dos
servidores públicos é central, já que, em essência, a maior parte das
prestações públicas realizadas pelo Estado ainda é dependente do envolvimento
direto de pessoas capazes em todas as etapas do circuito das políticas
públicas. Por isto mesmo, lutamos para o fortalecimento do Estado, jamais pelo
seu enfraquecimento.
Fonte: Portal
Vermelho
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