Informativo
GUEDES, COM APOIO DE BOLSONARO, PRODUZ UMA GRANDE TRAGÉDIA SOCIAL
O cenário econômico com a pandemia do
coronavírus impõe a reflexão sobre o papel do Estado. A economia agoniza e não
há a menor perspectiva de que o setor privado possa ser a mola propulsora de
uma retomada, de uma recuperação. Enquanto o ministro da Economia, Paulo
Guedes, insiste na tese de que a estabilização orçamentária para garantir o
pagamento regular dos serviços da dívida pública, arrochando os investimentos
sociais e em infraestrutura, a tragédia social se propaga rapidamente.
O desemprego, a degradação dos serviços
públicos e a difusão descontrolada da Covid-19 demonstram a proporção
gigantesca da tragédia social, que já estava se manifestando antes mesmo do
início da pandemia. A grande questão é a forma para enfrentá-la. “Só o Estado,
emitindo dinheiro, fazendo dívidas, arrecadando mais, ou tudo isso combinado,
poderia se apresentar para tal tarefa. Assim, a lógica do teto de gastos implodiu”,
avalia o comentarista de economia do site Poder360, José Paulo Kupfer.
O teto de gastos é o esteio da tese de
Guedes. Com ele, é possível dar garantias ao mercado financeiro de que a meta
de zerar o déficit primário – os gastos e investimentos que não incluem o
pagamento de juros da dívida pública –, a única meta bem definida pelo ministro
da Economia. Ele tem se valido do viés de baixa acentuada da Selic, a taxa
básica de juros do Banco Central (BC), para propagar promessas sem
correspondência com a realidade econômica do país.
Guedes tem dito que simulações indicam que as
despesas com juros vão cair R$ 120 bilhões por ano, hoje em torno de R$ 400
bilhões. Sua tese é de que ao dar estabilidade ao pagamento da rolagem da
dívida, os investidores privados se animam com a capacidade do Estado de honrar
seus compromissos com o rentismo e acorrem em massa para cá. “Passamos anos
expulsando investimento privado, agora estamos convocando eles”, disse ele
recentemente.
A receita é atacar três focos de “gastos”, de
acordo com o ministro, para atingir o objetivo de zerar o déficit primário e
evitar que o Brasil seja engolido pelo “buraco negro fiscal”. O primeiro era a
“reforma” da Previdência Social, segundo Paulo Guedes uma “fábrica de
desigualdade” que consumia R$ 700 bilhões anuais. O segundo e o terceiro são as
despesas com a dívida pública e os servidores públicos; estes, segundo os seus
cálculos, custam R$ 296 bilhões por ano.
Confronto com Centrão
A âncora de tudo isso é o teto de gastos, a
Emenda Constitucional 95. José Paulo Kupfer diz que isso é uma anomalia. “Não é
que outras sociedades não adotem teto de gastos. Mas o brasileiro é uma
autêntica jabuticaba. Para começar, nenhum outro país tem um teto de gastos
inscrito nas regras constitucionais”, afirma. “Além disso, exceto no caso
brasileiro, em todos os demais existem cláusulas de escape, sobretudo
preservando espaços para investimentos públicos”, complementa.
A tese de Guedes não se sustenta, também,
pelos efeitos da pandemia na economia. Ao contrário da sua previsão, a relação
da dívida pública com o Produto Interno Bruto (PIB) tente da crescer já neste
amo, passando dos 76% registrados no fim de 2019 para algo entre 92% e 96%
neste ano. O déficit primário também pode crescer.
O vice-presidente da Câmara, deputado Marcos
Pereira, um dos principais articuladores da incorporação do Centrão à base do
governo no Congresso, revelou que há uma divisão entre os militares do governo
e Guedes. De acordo com ele, o ministro da Casa Civil, general Braga Netto, lhe
disse: “Daqui a alguns meses o governo terá de enfrentar a intransigência do
ministro Paulo Guedes”.
O confronto deve ocorrer depois de julho,
quando saírem os números explosivos do desemprego. Na primeira quinzena de
maio, os pedidos de seguro-desemprego saltaram 76% em comparação com o mesmo
período de 2019. A recessão também tende a ser severa. Segundo o Instituto
Fiscal Independente (IFI), o déficit primário deve ultrapassar os R$ 500
bilhões previstos pelo governo e serem agravados pela agenda do Congresso no
pós-Covid19.
Impostos progressivos
Economistas famosos também têm defendido
propostas contrárias à tese de Guedes, como é o caso de impostos progressivos
para os serviços prestados pelas gigantes digitais, além de maior taxação às
multinacionais e oligopólios com alto retorno. Joseph Stiglitz, Thomas Piketty,
Jayati Ghosh e José Antonio Ocampo lideram uma iniciativa que busca atualizar a
tributação global.
A intenção é ajudar os governos a terem
recursos para investir em saúde e na recuperação de empregos e renda em um
momento em que a arrecadação foi dramaticamente reduzida. “As companhias de
internet são as grandes beneficiárias da pandemia”, disse Stiglitz, vencedor do
Nobel de Economia em 2001.
Antes da crise, diz ele, o sistema de tributação
já não era justo. “É distorcido. As grandes multinacionais encontram formas de
promover a evasão de impostos, aproveitando paraísos fiscais, por exemplo, e
isso distorce a economia”, afirmou. “Multinacionais acabam pagando menos
impostos que pequenas empresas locais, o que é injusto”, revelou.
Stiglitz citou o caso de empresas sediadas,
por exemplo, na Irlanda, país que oferecia menos tributação do que outros
lugares da União Europeia, e quando isso ficou claro, migraram a outros
paraísos fiscais. “Estas empresas têm quase um compromisso de não pagar
impostos”, disse. “A pandemia, ironicamente, ajuda estas mesmas empresas que
promoveram uma evasão de seus impostos no passado”, afirmou.
Segundo ele, enquanto empresas pequenas
quebram, as grandes vão muito bem. “Em parte, porque não pagam o que seria
justo, em impostos”, diagnostica. Piketty concorda. “As lições da história nos
mostram que temos hoje uma crise sem precedentes, com fechamento total de
economias. Temos que inventar novas soluções”, afirmou.
A proposta é defendida também pelo grupo que
fundou a Independent Commission for the Reform of International Corporate
Taxation (Icrict) e lançou o relatório “A Pandemia Global, Recuperação
Econômica e Sustentável e Tributação Inernacional”, com apoio da Oxfam,
confederação de organizações internacionais que atua no combate à pobreza.
O debate chegou à Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), a organização dos países mais
ricos do mundo, iniciado com um esforço para que empresas declarem, país a
país, seus lucros. Seria uma espécie de registro internacional de ativos. Uma
das propostas defendida pelo grupo é de uma taxação mínima de 25% global, para
as corporações, de forma a evitar que as empresas busquem declarar seus lucros
em países que cobram menos impostos.
Fonte: Osvaldo
Bertolino – Portal Vermelho
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