Informativo

04/10/2017

Conceito de soberania não existe no governo Temer, diz Gabrielli

A forte pressão popular da campanha “O petróleo é nosso” resultou na aprovação, em 3 de outubro de 1953, do projeto que criava a Petrobras. Não foi uma campanha de uma semana, mas longos cinco anos de mobilização e amplo debate na sociedade.

Por Dayane Santos

O projeto encaminhado ao Congresso Nacional previa um sistema misto, permitindo a participação de empresas estrangeiras, mas foi alterado pelos parlamentares. Na ocasião, o advento estatal foi saudado como uma conquista nacional que geraria recursos para enfrentar os desafios da nova era de industrialização, tendo o Estado como condutor. Passados 64 anos, a Petrobras ainda é a mais importante empresa brasileira, mas vive sob a ameaça do governo Michel Temer, colocando a soberania nacional em risco.

O Portal Vermelho entrevistou Sergio Gabrielli, ex-presidente da companhia entre 2005 e 2012, período de maior expansão da estatal, para falar sobre a importância da Petrobras para a economia brasileira e da política de desenvolvimento nacional. Para ele, a política adotada pelo governo Temer coloca em xeque a soberania nacional.

“Essa política tira da Petrobras e do governo brasileiro a capacidade de gerir o desenvolvimento da riqueza do petróleo, porque o país vai depender crescentemente dos investimentos internacionais”, salientou.

Segundo ele, com esse governo “não tem discussão sobre soberania”, pois trata-se de uma decisão política, e não de mercado, com efeitos desastrosos para o país. “O conceito de soberania está fora do ar, pois não é considerado como relevante. E a reversão desse processo é de longo prazo. Não vejo a possibilidade de uma reversão dessa política a curto prazo. Deve existir uma retomada do papel da Petrobras, uma redefinição de toda a política de exploração e abastecimento, uma redefinição das relações dos diversos segmentos do setor de petróleo e gás, de tal maneira que isso não se resolve somente com a eleição de 2018”, argumentou.

Gabrielli lembrou que ao longo de 64 anos, a Petrobras teve ciclos ora favoráveis ao mercado e as empresas internacionais, ora favoráveis ao maior controle por parte do Estado das riquezas potenciais do petróleo. “No período do governo de Fernando Henrique Cardozo, que foi de 1994 até 2002, predominou uma visão de uma empresa pequena, focada na produção e exploração do petróleo com o mínimo de atuação no refino e descolada de outras atividades do setor de petróleo e gás. Nos governos Lula e Dilma, a Petrobras entrou no ciclo favorável ao domínio do Estado e houve uma mudança profunda na estratégia de crescimento da empresa, que se tornou o centro de uma política de desenvolvimento nacional, baseada na utilização da cadeia de fornecedores no Brasil, gerando emprego e renda no país”, apontou.

Ele reforça ainda que a descoberta do pré-sal cumpriu um papel destacado nesse processo, pois se trata da maior descoberta dos últimos 30 anos. “Ter o controle de produção desses recursos dava ao Brasil e a Petrobras a capacidade de gerir o futuro do país em termos de utilização das vendas petroleiras para viabilizar programas de transformação da nossa sociedade”, argumenta.

No entanto, a partir de 2015, com a crise econômica e política, a Petrobras entrou em outro ciclo, retrocedendo à política voltada ao mercado, com a venda de ativos fora da atividade central, como gasodutos, e se retirando de setores estratégicos para o desenvolvimento da indústria nacional. “Significa dizer que está voltando para a política do tempo de Fernando Henrique Cardoso”, destacou.

SEM DESENVOLVIMENTO NACIONAL NÃO HÁ EMPREGO E RENDA

Segundo ele, é explícito na formulação da política de exploração e produção de petróleo no Brasil que a autossuficiência e o controle nacional sobre o futuro não são mais relevantes.

“Essa empresa desfocada, evidentemente não tem condições de ser a empresa centro de uma política de desenvolvimento. E, portanto, a política de conteúdo nacional que viabilizaria a criação do emprego e renda está abandonada”, frisou Gabrielli.

Michel Temer e seus aliados – em especial os tucanos – nunca esconderam que o objetivo do golpe contra o mandato da presidenta Dilma Rousseff foi implantar uma agenda que incluiu a privatização, como forma de pagar a conta do impeachment ao mercado financeiro.

Não é à toa que uma das primeiras medidas de Temer, ainda como interino, foi manobrar para garantir a mudança do modelo de partilha do pré-sal, abrindo caminho para as privatizações de empresas do setor. Sob a o comando do tucano Pedro Parente, a Petrobras abriu o balcão de negócio de venda de ativos e já oferece a BR Distribuidora, a maior do país.

Em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda (2), o ministro de Minas e Energia de Temer, Fernando Coelho Filho, disse: “Eu acho que isso [privatização da Petrobras] vai acontecer. É um caminho, mas o governo não pode tocar todas as agendas ao mesmo tempo”.

Foi o suficiente para aguçar a cobiça do mercado. As ações da Petrobras tiveram ganhos de mais de 2% na Bolsa de Valores de São Paulo.

DISTRIBUIDORAS

De acordo com Gabrielli, a política de abastecimento também segue a mesma diretriz, com o aumento das importações de derivados de petróleo em detrimento da utilização das refinarias brasileiras, que entrarão num processo de privatização. 

“Não tem discussão sobre soberania porque a política de abastecimento de derivados de petróleo no Brasil não tem mais o objetivo de aumentar a capacidade brasileira de fornecer esses produtos. Pelo contrário, há uma intenção de aumentar o número de players no mercado”, destacou Gabrielli, se referindo à entrada de novas empresas.

“Temos a consolidação de um modelo, que é histórico, onde o mercado, principalmente as multinacionais, vão ter um papel mais relevante no desenvolvimento dos recursos brasileiros. Acho que isso é uma escolha, mas não a melhor escolha para o Brasil”, defendeu. “O melhor é ter uma política de ajuste financeiro mais de médio prazo. Uma recuperação da capacidade de investimento da Petrobras e a manutenção dela como centro de um processo de construção de uma cadeia brasileira de fornecedores de derivados e produtos de petróleo. Mas essa é uma escolha política”, completou.

E concluiu: “É necessário que a gente tenha uma visão de que para recuperar a soberania nacional e a capacidade da Petrobras de ser o centro de uma política de desenvolvimento é necessária uma política de longo prazo”. 

Fonte: Portal Vermelho | Foto: Agência Brasil

Veja mais