Informativo
A LENTA MORTE DA INDÚSTRIA BRASILEIRA
O
mais recente levantamento do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento
Industrial (Iedi) relacionando dados de 30 países ao longo de 50 anos
identificou no Brasil a terceira maior retração industrial, atrás apenas de
Austrália e Reino Unido que se afastaram da indústria como consequência da
elevação de renda per capita, diferente do Brasil que passa a liderar o ranking
de industrialização precoce.
Por Ergon Cugler*
Em
2016 a Organização das Nações Unidas (ONU) já alertava sobre o processo de
desindustrialização precoce no Brasil ao identificar pouco mais de 10% do PIB
brasileiro no setor industrial, enquanto que na década de 70 a indústria
correspondia a quase 30 pontos percentuais do montante nacional, fomentando
grande parte dos postos de trabalho e do desenvolvimento econômico no país.
TENDÊNCIA MUNDIAL
Foi
a Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (Unctad) que
chancelou as reformas liberalizantes promovidas pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM) enquanto aceleradoras do processo
global de desindustrialização, sendo esta chamada de precoce no Brasil
essencialmente por não atingir toda sua potencialidade produtiva manufatureira,
regredindo ao concentrar forças na produção de commodities principalmente da
agricultura ao invés de proporcionar investimento tecnológico na indústria de
serviços com valor agregado.
Enquanto
tendência mundial, a desindustrialização tem ocorrido em países como Austrália
e Reino Unido acompanhada da elevação de renda e do PIB per capita – sendo tal
elevação um propulsor do distanciamento do consumo de bens por parte da
população e migração para o consumo de serviços – a qual exige potencial
tecnológico para acompanhar o enriquecimento, como Japão, EUA e Europa
experimentaram ao fim do século XX com o avanço principalmente das tecnologias
de comunicação.
Vale
recordar que através da implementação responsável de políticas industriais, a
China, com apenas 1,65% de participação no parque industrial em 1980 – enquanto
o Brasil cobria 4,11% da produção – ultrapassou a produção brasileira em menos
de uma década, se consolidando atualmente como gigante industrial no mercado
internacional.
BRASIL EM DESMONTE
Os
dados do estudo realizado pela Iedi consideram valores reais até o fim de 2017,
mas vale recordar que apesar do crescimento de 1,1% do setor industrial no ano
seguinte, 2019 já acumula queda de 0,7% do setor nos primeiros cinco meses do
ano, evidenciando a tendência de desindustrialização incorporada pela economia
brasileira.
Diferente
da Austrália e Reino Unido, o Brasil não acompanhou o processo de
desindustrialização ao longo das décadas com aumento do PIB per capita ou
investimento tecnológico, colocando em risco um dos setores que mais concentra
mão-de-obra direta e indiretamente no país às oscilações do mercado
internacional, cenário ainda mais grave quando acumula quase 14 milhões de
desempregados.
Com
retração de longo prazo do produto manufatureiro real per capita e sem
condições de amadurecimento industrial, o país ainda perde potencial econômico
para investir em avanços tecnológicos destinados à formação e capacitação de
mão-de-obra qualificada à indústria 4.0 e à produção de serviços dinâmicos de
alto valor agregado, responsáveis por substituir o setor da indústria
tradicional em países desenvolvidos, tal como os EUA.
PASSADO QUE SE REPETE
Recentemente,
uma carta assinada por dez ex-ministros da Ciência e Tecnologia deflagrou a
intensificação da crise tecnológica que o Brasil passa, ainda mais com o
contingenciamento das Universidades Públicas, responsáveis pela vasta parcela
da produção científica nacional e, consequentemente, pela garantia do avanço e
amadurecimento econômico do país.
Sustentando
setores tradicionais da indústria, o Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BDNES) enraizou especialmente a produção de carnes e de
minério de ferro, as quais não apresentam altos índices de inovação.
Sem
perspectiva de recuperação industrial e muito menos de substituição tecnológica
do setor industrial tradicional, o Brasil caminha para a intensificação da
crise econômica, a qual se manifesta cada vez mais nos índices de desemprego.
Com
limitação de avançar tecnologicamente e retração na indústria atual, observa-se
um ciclo que parte do empenho tardio no processo de industrialização do Brasil,
passa pela ausência de investimento tecnológico por parte do Estado para
produção de bens de valor agregado e se consolida na dependência econômica de
produção de commodities.
Ocorre
que tal dependência renova o ciclo através da negligência do Estado ao não
garantir investimento em novas tecnologias e na capacitação de mão-de-obra,
condenando o mercado interno ao seu esgotamento, com alta nos custos de
importação de produtos, impossibilitando a elevação da renda e do PIB per
capita e, consequentemente, da melhoria das condições econômicas do país.
Sem
investimentos reais em tecnologia, o Brasil se condena ao retrocesso e deflagra
um futuro de submissão às potências desenvolvidas, na margem da economia e na
contramão da melhoria das condições de vida do povo.
* Ergon Cugler
é pesquisador da Universidade de São Paulo.
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