Informativo

O JORNALISMO E O "JORNALISMO-ARMAZÉM" DA LAVA JATO
Por Osvaldo Bertolino
É bem conhecida, e
muito citada entre os jornalistas, a definição atribuída a Millôr Fernandes de
que jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados. Apesar de ser
uma frase vazia, genérica — oposição de quem e a quê? —, ela pode ser compreendida
como uma reflexão sobre o que vem a ser, na prática, jornalismo, imprensa e
mídia. Em sua primorosa obra História da
imprensa no Brasil, Nelson Werneck Sodré definiu bem esses conceitos.
A começar pelo que a
etimologia define como mass media, “meios (de comunicação) de massas”, instrumento mediador, elemento intermédio. Ou por outra:
aquilo que medeia uma ideologia. Ela se diferencia, na essência, do conceito deintelligentsia, o conjunto da intelectualidade de um país. Pode-se deduzir
que o jornalismo, para ser jornalismo de verdade, precisa exercer a intelectualidade.
E a imprensa seria o meio para a sua difusão.
O ponto é: não existe
jornalismo sem ideologia, o sistema de ideias, valores e princípios que definem
uma determinada visão do mundo. Logo, a intelligentsia se reporta a diferentes ideologias, que traduzem
interesses de variadas camadas sociais e se manifestam por métodos políticos
aplicados à forma de governar. Por conseguinte, um governo e seu arcabouço
ideológico representam setores da sociedade que, naturalmente, se conflitam com
outros. Para mediar esses conflitos, numa sociedade democrática, existe as
regras do Estado de Direito, que devem ser invioláveis.
O HOMEM QUE MORDE UM CÃO
Com esses conceitos,
Nelson Werneck Sodré analisou a mídia brasileira em sua obra, publicada em
1966. Ele diz que o jornalismo da mídia se integrou facilmente às regras do
sistema dominante. “O desenvolvimento da imprensa no Brasil foi condicionado,
como não podia deixar de ser, ao desenvolvimento do país. Há, entretanto, algo
de universal, que pode aparecer mesmo em áreas diferentes daquelas em que
surgem por força de condições originais: técnicas de imprensa, por exemplo, no
que diz respeito à forma de divulgar, ligadas à apresentação da notícia”,
escreveu.
Segundo ele, o
jornalismo norte-americano criou o lead, cujos princípios se fundaram na regra dos cinco W e um H;
qualquer foca (jornalista principiante) sabe que a notícia deve conter,
obrigatoriamente, os seguintes elementos: Who, quem; What, o quê; When, quando; Where, onde; Why, por quê; e How, como. “Qualquer jornalista sabe, por outro lado,
estabelecer a distinção entre o que é a notícia e o que não interessa, dentro
daquela malícia de Charles Dana (prócere da mídia norte-americana) que, para
ensinar a alguém essa diferença elementar, contou: ‘Se um homem vai andando
pela rua e um cão o morde, isso não é notícia, a não ser que esse homem tenha
projeção política, social, financeira, notoriedade por qualquer motivo; mas se
um homem morde um cão, isso é notícia’”, afirmou.
Sempre se referindo
ao jornalismo norte-americano — possivelmente para fugir da censura e da
repressão da ditadura militar —, Nelson Werneck Sodré escreveu que o “foca”,
utilizando aplicadamente a técnica do lead, “transforma qualquer sinal de um problema social constante
em fatos isolados que se repetem diariamente e cujas raízes reais ficam
apagadas sob os detalhes específicos de cada historieta”, escreveu.
A mídia brasileira,
com um veículo repetindo o outro, todos divulgando as mesmas coisas, com a
mesma conotação, é um retrato fiel desse comportamento. Ao mediar a ideologia
que ela representa, na definição de Nelson Werneck Sodré, imposta pelo domínio
do poder econômico na produção e circulação de ideias, ela cerceia a liberdade
de imprensa, de expressão e de manifestação política. Afronta a democracia,
numa definição. Em nome do seu suposto direito absoluto à liberdade
incondicional, ela viola muitos outros preceitos constitucionais, como o
direito à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem das pessoas — todos
igualmente invioláveis e indispensáveis.
SENTENÇA D’O GLOBO
A reação da mídia às
revelações do site The Intercept
Brasil de conluios ilegais e espúrios no âmbito da Operação Lava
Jato ilustra bem esse comportamento. Um exemplo clássico foi o editorial do jornal O Globo de sábado (15), intitulado Hackers e a ameaça ao estado de direito. As “mensagens
hackeadas, supostamente trocadas entre o ainda juiz Sergio Moro e o procurador
Deltan Dallagnol”, diz o texto, “mesmo que ainda não se saiba em que contexto”
elas “teriam sido trocadas, nem se as conversas transcritas foram ou não
adulteradas para a divulgação pelo site Intercept”, serviram para o “PT e aliados" aproveitar "para
enfatizar a velha tese de que Moro agiu de forma parcial ao condenar Lula no
caso do tríplex do Guarujá”.
O Globo sentencia que Moro age de forma correta ao pôr em
dúvida a veracidade do conteúdo das mensagens. É o mote para atacar o
mensageiro e seus inimigos ideológicos — o PT e seus aliados (que são, por essa
lógica, uma variada gama de juristas e representantes do pensamento
democrático), sem considerar as mensagens. O hackeamento — os arquivos foram “roubados”,
segundo o editorial — “alerta para o risco que correm as instituições e o
próprio estado democrático de direito” diz o texto. “A invasão de privacidade
agride um dos direitos constitucionais, e a situação é tão mais grave porque os
invasores se protegem num absoluto anonimato”, alarma.
A ética dessa tese
ideológica d’O Globo se desfaz cabalmente ao se considerar a realidade
cotidiana de trapaças de variadas espécies para a obtenção de notícias —
mentiras sobre a natureza da reportagem para conseguir entrevistas, gravadores
escondidos para colher flagrantes e relação promíscua com fontes, para ficar
apenas em três exemplos — e fabricar escândalos. Sem falar na prática de
manipulação das informações para condicionar atitudes, formar hábitos e conter
as demandas populares com ataques virulentos às organizações sociais e às suas
representações políticas — o “PT e aliados”, como disse o editorial d’O
Globo.
GOLPE DE CLASSE
O golpe militar de
1964 moldou essa configuração da mídia com forte viés ideológico de maneira
mais sólida, mas ela vinha sendo aplicada desde quando o movimento democrático
começou a ganhar protagonismo. Em 1948, chegou ao país a Seleções
do Reader’s Digest, uma publicação de matérias selecionadas em diversos
veículos mundiais. Em 1950, foi a vez do grupo Vision Inc criar a revista Visão e várias publicações corporativas. Antes, nos anos
1940, chegou, vindo dos Estados Unidos, num processo de “modernização”
deflagrado por Pompeu de Souza, do Diário
Carioca. Vocações literárias e evocações filosóficas foram
substituídas por uma narrativa simples e linguagem empobrecida. Pompeu de Souza
recebeu de Nelson Rodrigues, apropriadamente, o título de “pai dos idiotas da
objetividade”.
No golpe, segundo
René Armand Dreifuss no livro A conquista do Estado — ação
política, poder e golpe de classe, os clãs
midiáticos eram o centro do que ele definiu como “elite orgânica”, de
“orientação empresarial”, que atuou intensamente na desestabilização do regime
democrático pré-1964 para pôr no lugar a “ordem empresarial” após o “golpe de
classe”. O exemplo mais evidente é o da TV
Globo, conforme relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito
(CPI) criada na época para apurar o papel do grupo Time-Life no surgimento da rede de
televisão.
O caso foi resumido
pelo jornalista Genival Rabelo, em artigo publicado na Tribuna
da Imprensa, em 1966, com o título O
exemplo americano de ‘"liberdade" de imprensa, onde se lê:
“As investigações
sobre a invasão ianque na imprensa brasileira, ou melhor, sobre o complexo
processo de alienação da consciência brasileira, no sentido de nos levar a
admitir que a ‘solução está nos Estados Unidos’, chegarão, forçosamente, às
seguintes conclusões:
1 – A Constituição
foi brutalmente burlada desde que Seleções obteve permissão para ser impressa em português no
Brasil, acelerando, desde então, o processo de manipulação da opinião pública
com objetivos políticos-ideológicos.
2 – Depois de dominar
praticamente o setor de revistas, os americanos voltam suas vistas para os
jornais, estações de rádio e televisão.
3 – A TV
Globo, inequivocamente, foi financiada pelo grupo Time-Life.
4 – A discriminação
publicitária, exercida por agências americanas (J. W. Thompson,
McCann-Erickson, Grant Adversiting, International Adversit-ing Service, Multi
Propaganda etc.), compromete a grande imprensa brasileira, quase toda ela
constituída de jornais que baseiam suas receitas em mais de 80% de publicidade.”
ENGRAXAR SAPATOS
Outras negociatas
favoreceram os demais grupos que hoje dominam a mídia — como O
Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo e a Editora Abril —, que também deram amplo respaldo ao
regime de 1964 e foram devidamente recompensados pelos golpistas. O rompimento
de Júlio de Mesquita Filho, do grupo O
Estado de S. Paulo, com a ditadura, por exemplo, começou quando Castelo Branco,
o primeiro presidente da República pós-golpe, não contemplou todos os seus
interesses na formação do ministério. Quem conta a história é ninguém menos do
que Armando Falcão, homem das entranhas do regime, no livro Tudo a declarar. O grupo de Júlio Mesquita Filho continuou apoiando o regime,
mas a relação com o governo começou a se deteriorar, explica Falcão.
No dia 1º de abril de
1964, O Estado de S. Paulo saudou o golpe com um editorial intitulado “São Paulo
repete 32” — uma alusão à chamada “revolução constitucionalista” — contra a
Revolução de 1930 —, da qual o principal líder civil era o então dono do
jornal, Júlio de Mesquita Filho, para quem “o império da lei e da justiça” só
poderia ser restabelecido no dia em que São Paulo voltasse “à sua condição de
líder insubstituível da nação”.
Mesquita Filho
repetiu Hipólito da Costa, que em 1808, quando surgiu o primeiro jornal
brasileiro, o Correio Braziliense — mesmo ano da criação da imprensa no Brasil —,
afirmou: “Ninguém deseja mais do que nós as reformas úteis, mas ninguém se
aborrece mais do que nós que essas reformas sejam feitas pelo povo.” Karl Marx
escreveu que ''na lei os burgueses precisam dar-se uma expressão universal
precisamente enquanto dominam como classe''. Algo como os racistas do Sul dos
Estados Unidos tratavam os negros — segundo a fina ironia do escritor George
Bernard Shaw: primeiro, reduziam os negros à condição de engraxates; depois,
concluíam que “negro só serve mesmo para engraxar sapatos”.
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