Informativo
DIÁLOGOS REVELAM COLABORAÇÃO PROIBIDA ENTRE MORO E DALLAGNOL
O Portal
Vermelho publica a íntegra da Quarta Parte da reportagem do Intercept
publicadas neste domingo que mostra diálogos entre o ministro da Justiça e
ex-ministro Sergio Moro e o procurador da Operação Lava Jato Deltan Dallagnol.
As conversas entre os dois ocorrerem ao longo de dois anos e revelam que Sergio
Moro sugeriu trocar a ordem de fases da Lava Jato, cobrou novas operações, deu
conselhos e pistas e antecipou ao menos uma decisão.
Sergio
Moro e Deltan Dallagnol trocaram mensagens de texto que revelam que o então
juiz federal foi muito além do papel que lhe cabia quando julgou casos da Lava
Jato. Em diversas conversas privadas, até agora inéditas, Moro sugeriu ao
procurador que trocasse a ordem de fases da Lava Jato, cobrou agilidade em
novas operações, deu conselhos estratégicos e pistas informais de investigação,
antecipou ao menos uma decisão, criticou e sugeriu recursos ao Ministério
Público e deu broncas em Dallagnol como se ele fosse um superior hierárquico
dos procuradores e da Polícia Federal.
“Talvez
fosse o caso de inverter a ordem da duas planejadas”, sugeriu Moro a Dallagnol,
falando sobre fases da investigação. “Não é muito tempo sem operação?”,
questionou o atual ministro da Justiça de Jair Bolsonaro após um mês sem que a
força-tarefa fosse às ruas. “Não pode cometer esse tipo de erro agora”,
repreendeu, se referindo ao que considerou uma falha da Polícia Federal.
“Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou entao
repassando. A fonte é seria”, sugeriu, indicando um caminho para a
investigação. “Deveríamos rebater oficialmente?”, perguntou, no plural, em
resposta a ataques do Partido dos Trabalhadores contra a Lava Jato.
As
conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados
ao Intercept por uma fonte anônima há algumas semanas (bem antes
da notícia da invasão do celular do ministro Moro, divulgada nesta semana,
na qual o ministro afirmou que não houve “captação de conteúdo”). O único
papel do Intercept foi receber o material da fonte, que nos informou que já
havia obtido todas as informações e estava ansioso para repassá-las a jornalistas.
A declaração conjunta dos editores do The Intercept e do Intercept Brasil
explica os critérios editoriais usados para publicar esses materiais, incluindo
nosso método para trabalhar com a fonte anônima.
A
Constituição brasileira estabeleceu o sistema acusatório no processo penal, no
qual as figuras do acusador e do julgador não podem se misturar. Nesse modelo,
cabe ao juiz analisar de maneira imparcial as alegações de acusação e defesa,
sem interesse em qual será o resultado do processo. Mas as conversas entre Moro
e Dallagnol demonstram que o atual ministro se intrometeu no trabalho do
Ministério Público – o que é proibido – e foi bem recebido, atuando
informalmente como um auxiliar da acusação.
A atuação
coordenada entre o juiz e o Ministério Público por fora de audiências e autos
(ou seja, das reuniões e documentos oficiais que compõem um processo) fere o
princípio de imparcialidade previsto na Constituição e no Código de Ética
da Magistratura, além de desmentir a narrativa dos atores da Lava Jato de
que a operação tratou acusadores e acusados com igualdade. Moro e Dallagnol
sempre foram acusados de operarem juntos na Lava Jato, mas não havia
provas explícitas dessa atuação conjunta – até agora.
Moro negou
em diversas oportunidades que trabalhava em parceria com o MPF. “Vamos colocar
uma coisa muito clara, que se ouve muito por aí que a estratégia de
investigação do juiz Moro. […] Eu não tenho estratégia de investigação nenhuma.
Quem investiga ou quem decide o que vai fazer e tal é o Ministério Público e a
Polícia [Federal]. O juiz é reativo. A gente fala que o juiz normalmente deve
cultivar essas virtudes passivas. E eu até me irrito às vezes, vejo crítica um
pouco infundada ao meu trabalho, dizendo que sou juiz investigador”, desafiou,
numa palestra que proferiu em março de 2016.
Desde o
início da operação, em 2013, Dallagnol e o MPF tentaram passar uma imagem de
que Moro atuava com imparcialidade e distância dos acusadores. “Sempre avaliou
os pedidos do Ministério Público de modo imparcial e técnico”, escreveu o
procurador, sobre o então juiz, em seu livro de memórias. A
Procuradoria-Geral da República endossou essa narrativa.
“Assim, inviável a declaração de nulidade de todos os atos praticados
no curso da ação penal processada e julgada pelo Juízo Criminal Federal de
Curitiba, que se manteve imparcial durante toda a marcha
processual”, escreveu a PGR em parecer pró-Moro.
Mas a
proximidade com o juiz facilitou o trabalho do Ministério Público, e o próprio
Dallagnol já admitiu isso. “Demos a ‘sorte’ de que o caso caísse nas mãos de um
juiz como Sergio Moro”, escreveu Dallagnol no Twitter e no seu livro.
OS DIÁLOGOS
“VIRAM
ISSO????”, escreveu no Telegram Athayde Ribeiro Costa, um dos
procuradores da força-tarefa da Lava Jato no Ministério Público Federal do
Paraná. “PqP!”, respondeu Roberson Pozzobon, membro da equipe e do grupo FT MPF
Curitiba 2, no qual procuradores da Lava Jato de Curitiba discutiam estratégias
para as investigações que transformaram a política brasileira.
As
mensagens eram uma reação à notícia “Diretor da Odebrecht que acompanhava
Lula em suas viagens será solto hoje”, publicada naquele 16 de outubro de 2015
no blog de Lauro Jardim, do Globo.
Minutos
depois, Dallagnol usou o chat privado do Telegram para discutir o assunto com Moro,
até então responsável por julgar os casos da Lava Jato na 13ª Vara Federal de
Curitiba.
“Caro, STF
soltou Alexandrino. Estamos com outra denúncia a ponto de sair, e
pediremos prisão com base em fundamentos adicionais na cota. […] Seria possível
apreciar hoje?”, escreveu Dallagnol.
“Não creio
que conseguiria ver hj. Mas pensem bem se é uma boa ideia”, alertou o então
juiz. Nove minutos depois, Moro deu outra dica ao procurador: “Teriam que ser
fatos graves”.
Depois de
ouvir a sugestão, Dallagnol repassou a mensagem de Moro para o grupo de colegas
de força-tarefa. “Falei com russo”, anunciou, usando o apelido do juiz entre os
procuradores. Em seguida, os investigadores da Lava Jato passaram a discutir
estratégias para reverter a decisão, mas Alencar não seria preso
novamente, numa demonstração clara de que os diálogos entre Moro e
Dallagnol influenciaram diretamente os desdobramentos da operação.
Um mês
depois, Sergio Moro enviou uma questão a Deltan Dallagnol pelo Telegram. “Olha
está um pouco dificil de entender umas coisas. Por que o mpf recorreu das
condenacoes dos colaboradores augusto, baruscoemario goes na
acao penal 5012331-04? O efeito pratico é impedir a execução da pena”, reclamou
a Dallagnol. Em teoria, o juiz não deveria ter interesse em resultados do
processo, como, por exemplo, o aumento ou redução de penas de um acusado – nem
muito menos tirar satisfação com o Ministério Público fora dos autos.
Num
despacho publicado às 14h01, o juiz chamou o recurso do MPF de “obscuro”.
Minutos depois, às 14h08, Dallagnol respondeu pelo Telegram. Moro rebateu,
também pelo aplicativo de mensagens: “Na minha opiniao estao provocando
confusão. E o efeito pratico sera jogar para as calendasa existência [da]
execução das penas dos colaboradores”.
Em 21 de
fevereiro de 2016, Moro se intrometeu no planejamento do MP de forma explícita.
“Olá Diante dos últimos . desdobramentos talvez fosse o caso de inverter a
ordem da duas planejadas”, afirmou Moro, numa provável menção às fases
seguintes da Lava Jato. Dallagnol disse que haveria problemas logísticos para
acatar a sugestão. No dia seguinte, ocorreu a 23ª fase da Lava Jato, a Operação
Acarajé.
Dias
depois, Moro cometeu um deslize de linguagem que revela como a acusação e o
juiz, que deveria avaliar e julgar o trabalho do MP, viraram uma coisa só. “O
que acha dessas notas malucas do diretorio nacional do PT? Deveriamos rebater
oficialmente? Ou pela ajufe?”, escreveu o juiz em 27 de fevereiro, usando a
primeira pessoa do plural, dando a entender que as reações do juiz e do MP
deveriam ser coordenadas.
Em 31 de
agosto de 2016, Moro mais uma vez escancarou seu papel de aliado dos acusadores
ao questionar o ritmo das prisões e apreensões. “Não é muito tempo sem
operação?”, perguntou o então juiz ao procurador às 18h44. A última fase da
Lava Jato havia sido realizada 29 dias antes – a operação Resta Um, com foco na
empreiteira Queiroz Galvão.
A periodicidade – e até mesmo a realização
de operações – não deveria ser motivo de preocupação do juiz, mas Moro
trabalhava com Dallagnol para impulsionar as ações do Ministério Público, como
comprovam os diálogos e comentários habituais nas conversas entre os dois.
“É sim”,
respondeu Dallagnol mais tarde. A operação seguinte ocorreu três semanas
depois.
“ESTOU REPASSANDO. A FONTE
É SÉRIA”
O ministro
da Justiça de Bolsonaro parece ter cruzado a fronteira que separa juiz e
investigador numa conversa de 7 de dezembro de 2015, quando ele passou
informalmente uma pista sobre o caso de Lula para que a equipe do MP
investigasse. “Entao. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato
estaria incomodado por ter sidoa ela solicitada a lavratura de minutas de
escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex
Presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação.
Estou entao repassando. A fonte é seria”, escreveu Moro.
“Obrigado!!
Faremos contato”, respondeu Dallagnol pouco depois. “E seriam dezenas de
imóveis”, acrescentou o juiz. O procurador disse que ligou para a fonte, mas
ela não quis falar. “Estou pensando em fazer uma intimação oficial até, com
base em notícia apócrifa”, cogitou Dallagnol. Ao que tudo indica, o procurador
estava considerando criar uma denúncia anônima para justificar o depoimento da
fonte ao MP. O juiz Sergio Moro poderia condenar a solução – ou ficar quieto.
Mas endossou a gambiarra: “Melhor formalizar entao”, escreveu Moro.
Mais um
sinal de que ele trabalhava em coordenação com a acusação veio numa troca de
mensagens em 13 de março de 2016, quando manifestações contra o governo de
Dilma Rousseff tomaram as ruas. O juiz revela o desejo de “limpar o
congresso”.
Dallagnol – 22:19:29
– E parabéns pelo imenso apoio público hoje. […] Seus sinais conduzirão
multidões, inclusive para reformas de que o Brasil precisa, nos sistemas
político e de justiça criminal. […].
Moro – 22:31:53. – Fiz
uma manifestação oficial. Parabens a todos nós.
22:48:46 – Ainda desconfio muito de nossa capacidade institucional de
limpar o congresso. O melhor seria o congresso se autolimpar mas isso nao está
no horizonte. E nao sei se o stf tem força suficiente para processar e condenar
tantos e tao poderosos.
Três dias
depois, Dilma tentaria nomear Lula para a Casa Civil, e Moro
divulgaria a famosa conversa gravada entre a então presidente e o
ex-presidente. Naquela manhã, Dallagnol e Moro conversaram sobre a divulgação
dos áudios e se consultaram sobre a estratégia.
Dallagnol – 12:44:28.
– A decisão de abrir está mantida mesmo com a nomeacao, confirma?
Moro – 12:58:07. – Qual é a posicao do mpf?
Dallagnol – 15:27:33. – Abrir
As
críticas à divulgação dos áudios foram fortes e, seis dias depois, o
procurador e o juiz ainda discutiam o assunto:
Dallagnol – 21:45:29.
– A liberação dos grampos foi um ato de defesa. Analisar coisas
com hindsight privilege é fácil, mas ainda assim não entendo que
tivéssemos outra opção, sob pena de abrir margem para ataques que estavam sendo
tentados de todo jeito…
[…]
Moro – 22:10:55. – nao
me arrependo do levantamento do sigilo. Era melhor decisão. Mas a reação está
ruim.
Uma semana
depois da conversa, porém, Moro pediu desculpas pela decisão.
O juiz
voltaria a dar conselhos ao MP em 21 de junho de 2016. Deltan Dallagnol
apresentou uma prévia impressionante dos indícios de corrupção revelados
pela delação de 77 executivos da Odebrecht, que implicavam 150 políticos,
incluindo nomes como Michel Temer, Dilma, Lula, Eduardo Cunha, Aécio Neves,
Sérgio Cabral e Geraldo Alckmin. “Reservadamente. Acredito que a revelação dos
fatos e abertura dos processos deveria ser paulatina para evitar um
abrupto pereat mundus”, disse Moro, usando a expressão em latim para um
ditado do meio jurídico – “acabe-se o mundo [mas] faça-se justiça”. “Abertura
paulatina segundo gravidade e qualidade da prova. Espero que LJ sobreviva ou
pelo menos nós”, completou.
Outro
conselho veio em em 15 de dezembro de 2016, quando o procurador atualizou o
juiz sobre as negociações da delação dos executivos da Odebrecht.
Dallagnol – 16:01:03
– Caro, favor não passar pra frente: (favor manter aqui): 9 presidentes (1
em exercício), 29 ministros (8 em exercício), 3 secretários federais, 34
senadores (21 em exercício), 82 deputados (41 em exercício), 63 governadores
(11 em exercício), 17 deputados estaduais, 88 prefeitos e 15 vereadores […].
Moro – 18:32:37
– Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais. Muitos inimigos e
que transcendem a capacidade institucional do mp e judiciário.
“NÃO PODE COMETER ESSE TIPO
DE ERRO AGORA”
Em março
de 2017, Moro escreveu a Dallagnol para sugerir por baixo dos panos um
caminho para a investigação da Lava Jato – o que, na teoria, só poderia ser
feito dentro dos autos. “Prezado, a Deputada Mara Gabrili mandou o texto abaixo
para mim, podem dar uma checada nisso. Favor manter reservado”, disse o então
juiz.
Seguia-se
uma longa mensagem de Gabrilli, do PSDB de SP e atualmente senadora, em que ela
sugere que o banqueiro Marcos Valério, preso após os processos do Mensalão,
fosse ouvido a respeito do assassinato de Celso Daniel, ocorrido em 2002.
Daniel era prefeito de Santo André, cidade do ABC paulista, berço político de
Lula e do Partido dos Trabalhadores.
Menos de
uma hora depois, Moro ouviu que o apelo da então deputada seria levado em conta
pela Lava Jato. “Falei com Diogo, que checará”, respondeu Dallagnol, fazendo
referência ao procurador Diogo Castor de Mattos.
Dois meses
depois, em 8 de maio de 2017, Curitiba parecia à beira de uma guerra civil.
Dali a dois dias, Lula se sentaria pela primeira vez diante de Moro para depor,
como réu, no caso do triplex. Diante da chegada de caravanas de apoio ao
petista – e, em menor número, de fãs de Moro e da Lava Jato –, a secretaria de
Segurança Pública do Paraná montou um gigantesco esquema que incluiu
até atiradores de elite no dia do julgamento.
Em meio ao
clima de tensão, Moro disparou uma mensagem a Dallagnol em que, duramente, o
cobrava sobre a intenção de adiar em cima da hora o depoimento do
ex-presidente. “Que história é essa que vcs querem adiar? Vcs devem estar
brincando”, escreveu, às 19h09. “Não tem nulidade nenhuma, é só um monte de
bobagem”, completou.
Dallagnol
só respondeu no dia seguinte, às 8h41. “Passei o dia fora ontem. Defenderemos
manter. Falaremos com Nivaldo”, ele prometeu. Referia-se a Nivaldo Brunoni,
juiz de primeira instância que cobria as férias do relator da Lava Jato no
Tribunal Regional Federal da 4ª Região, João Pedro Gebran Neto. Naquele mesmo
dia, Brunoni rejeitou pedido da defesa do petista para adiar o interrogatório.
Dois dias
depois, uma outra conversa que revela o clima de camaradagem entre juiz e
acusação.
“Caro, foram pedidas
oitivas na fase do 402, mas fique à vontade, desnecessário dizer, para
indeferir. De nossa parte, foi um pedido mais por estratégia”, teclou
Dallagnol. Moro respondeu antecipando a sua decisão: “Blz, tranquilo, ainda
estou preparando a decisão mas a tendência é indeferir mesmo”.
Em 26 de
junho, seria a vez de Moro ditar a estratégia para o Ministério Público Federal
manter preso João Vaccari Neto, tesoureiro do PT que ele condenara, mas que
seria absolvido por falta de provas, no dia seguinte, pelo TRF4.
Moro – 18:24:25
– Diante das absolvição do Vaccari seria talvez conveniente agilizar
julgamento do caso do Skornicki no qual ele tb está preso e condenado. Parece
que está para parecer na segunda instância.
Dallagnol – 20:54:53
– Providenciamos tb nota de que a PRR vai recorrer
20:57:31 – Tem outras tb no TRF. Alguma razão especial para apontar esta?
Moro – 23:20:53 – Porque Vaccari tb foi condenado nesta?!
A leitura
das conversas mostra como Moro e Dallagnol ficaram próximos ao longo dos
anos. Entre as últimas mensagens a que o Intercept teve acesso, Moro
conversa em tom de amizade com o procurador – que tratava o atual ministro como
“Caro juiz” no início dos diálogos.
Moro – 15:28:29.
– Cara, recebi uma fotos de vc fantasiado de superhomem com um tal de
Castor, não sei o que faço mas a Mônica Bergamin está perguntando se
vc preferiu o Superman i, oi ou Iii?
Dallagnol – 22:47:06.
– Kkkkkkk
22:47:28 – Tá no face
tb?
22:48:10 – Se tiver,
preciso tirar… ela está me difamando, era na verdade de príncipe que eu estava RS
Mas também
houve momentos tensos entre os dois. Em março de 2016, Moro irritou-se com o
que considerou um erro da Polícia Federal. “Tremenda bola nas costas da Pf”,
digitou o então juiz. As justificativas apresentadas por Dallagnol não o
convenceram. “Continua sendo lambança. Não pode cometer esse tipo de erro
agora.”
Um ano
depois, Moro, aparentemente irritado com uma das procuradoras da força-tarefa
da Lava Jato, fez um pedido delicado a Dallagnol:
Moro – 12:32:39.
– Prezado, a colega Laura Tessler de vcs é excelente profissional, mas
para inquirição em audiência, ela não vai muito bem. Desculpe dizer isso, mas
com discrição, tente dar uns conselhos a ela, para o próprio bem dela. Um
treinamento faria bem. Favor manter reservada essa mensagem.
Dallagnol – 12:42:34.
– Ok, manterei sim, obrigado!
“MORO NÃO É MODELO DE JUIZ
IMPARCIAL”
As
conversas entre Moro e Dallagnol enviadas pela fonte anônima compreendem
um período de dois anos entre 2015 e 2017. Já no grupo de procuradores citado
neste texto, o FT MPF Curitiba, o conteúdo dos chats totaliza o equivalente a
um livro de 1.700 páginas.
Juristas
ouvidos pelo Intercept disseram que a proximidade entre procuradores e juízes é
normal no Brasil – ainda que seja imoral e viole o código de ética dos
magistrados.
“Pela
Constituição, o processo penal brasileiro é acusatório. Na prática, é
inquisitivo”, cravou Lenio Streck, advogado, jurista, pós-doutor em Direito e
professor de Direito Constitucional na Unisinos, no Rio Grande do Sul. “O juiz
acaba sendo protagonista do processo, age de ofício [ou seja, sem ser provocado
por uma das partes], busca provas. Isso acaba fazendo com que o MP, também com
postura inquisitiva, acabe encontrando um aliado estratégico no juiz. É um
problema anterior, de que a Lava Jato é um sintoma.”
Aprovado
em 2008 pelo Conselho Nacional de Justiça, o CNJ, o Código de Ética da
Magistratura Nacional determina, em seu primeiro artigo, que juízes atuem
“norteando-se pelos princípios da independência, da imparcialidade” e “do
segredo profissional”, entre outros.
O capítulo
3 do código, que trata exclusivamente da imparcialidade, diz, no artigo oitavo:
“O magistrado imparcial é aquele que busca nas provas a verdade dos fatos, com
objetividade e fundamento, mantendo ao longo de todo o processo uma distância
equivalente das partes, e evita todo o tipo de comportamento que possa refletir
favoritismo, predisposição ou preconceito”. O artigo seguinte determina que o
juiz, “no desempenho de sua atividade, cumpre dispensar às partes igualdade de
tratamento, vedada qualquer espécie de injustificada discriminação.”
Em várias
decisões, o Supremo Tribunal Federal ratificou decisões que proíbem juízes de
promover investigações. “A Constituição de 1988 fez uma opção inequívoca pelo
sistema penal acusatório. Disso decorre uma separação rígida entre, de um lado,
as tarefas de investigar e acusar e, de outro, a função propriamente
jurisdicional. Além de preservar a imparcialidade do Judiciário, essa separação
promove a paridade de armas entre acusação e defesa, em harmonia com
os princípios da isonomia e do devido processo legal”, diz a ementa da
ação direta de inconstucionalidade 5104, relatada pelo ministro Roberto
Barroso.
As
conversas sugerem que o juiz deu acesso privilegiado à acusação e ajudou o
Ministério Público a construir casos contra os investigados, o que pode ser
usado pela defesa dos acusados na Lava Jato. Esse foi, por exemplo, o argumento
da defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao recorrer da condenação
e ao denunciar Sergio Moro na Comissão de Direitos Humanos da ONU. “O
juiz Moro atuou com pré-julgamento, pois ele foi o juiz de investigação de
Lula”, disse o advogado que representou o ex-presidente na ONU, Geoffrey
Robertson, na época em que o petista foi condenado em segunda instância.
A defesa de Lula vem, sem sucesso, questionando a imparcialidade de Moro
no Supremo Tribunal Federal.
“O juiz
brasileiro, em regra, é um juiz formal, mais distante, mas tem mais proximidade
com o MPF, porque são ambos funcionários públicos. Existe um desequilíbrio
nesse sentido”, afirmou o advogado Antônio Sérgio Pitombo, que já
defendeu na Justiça o atual chefe de Moro, Jair Bolsonaro.
“Conheço o
juiz Moro há muitos anos. Não é um modelo de juiz imparcial, tem um viés de
favorecer a acusação. [Mas] O ponto sobre Lava Jato nunca foi o juiz Moro, mas
o Tribunal Regional da Quarta Região [responsável por julgar na segunda
instância os processos da operação] nunca corrigir o juiz Moro. Juízes com esse
ímpeto [punitivista] sempre tivemos no Brasil. Mas nunca tivemos um tribunal tão
leniente [com a primeira instância] como o TRF4. Ali parecia haver um
pacto ideológico entre tribunal e juiz. O tribunal achava bonito aquilo”,
criticou Pitombo.
O relator
dos processos da Lava Jato no TRF4, o juiz de segunda instância João Pedro Gebran
Neto, é amigo pessoal de Moro e, via de regra, se alinha ao atual
ministro em suas sentenças.
Muitas das
decisões tomadas por Moro ainda podem ser questionadas pelas defesas de
condenados na Lava Jato e revistas em tribunais superiores.
Ao
contrário do que tem como regra, o Intercept não solicitou comentários de
procuradores e outros envolvidos nas reportagens, para evitar que eles atuassem
para impedir sua publicação e porque os documentos falam por si. Entramos em
contato com as partes mencionadas imediatamente após publicarmos as matérias,
que atualizaremos com os comentários assim que eles sejam recebidos.
Fonte: The Intercept | Fotos: Marcelo Camargo/Agência Brasil - Sérgio Lima/Poder360/Drive
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